Lingüística é uma Ciência:
da origem saussureana ao percurso sociolingüístico
Resumo: Este artigo apresenta algumas considerações sobre as diretrizes tomadas pela ciência Lingüística na tentativa de oferecer um melhor aparato teórico para a compreensão dos fenômenos lingüísticos. Neste trabalho, as propostas teóricas originadas de reflexões feitas por autores como Saussure, Bakhtin, Chomsky e Labov são levadas em consideração para mostrar, entre outras coisas, que os lingüistas estão vendo, cada vez mais, a possibilidade de se trabalhar aspectos em comum de teorias lingüísticas diferentes para melhor explicar o objeto de estudo.
Palavras-chave: Lingüística, concepções de língua, teorias lingüísticas.
Abstract: This article presents some considerations about the guidelines adopted by science linguistics in an attempt to provide an improved apparatus for the theoretical understanding of linguistic phenomena. In this work, the theoretical proposals arising from discussions by authors such as Saussure, Bakhtin, Chomsky and Labov are taken into account to demonstrate, among other things, that the linguists are seeing, increasingly, the possibility of working on common issues of different linguistic theories to better explain the object of study.
Key words: linguistics, concepts of language, linguistic theories.
Introdução
Vemos um novo caminhar científico sendo realizado e numa perspectiva diferente do que se costumava ver, em que as teorias lingüísticas buscavam mostrar visões unificadas e diferentes em relação ao objeto e cada uma considerando ser a mais coerente. A fragilidade das propostas teóricas, que apresentam algumas falhas diante de determinados fenômenos lingüísticos, mostra, na verdade,
que não existe uma doutrina unificada, mas que é possível buscar contribuições de outras ciências para dar um melhor aparato aos fundamentos teóricos.
Fazendo um apanhado sobre as fases dos estudos da linguagem, notamos que eles passaram por alguns momentos que os guiaram de acordo com o pensamento vigente nesses período.
Sabe-se que a linguística, enquanto ciência da linguagem, foi reconhecida a partir do suíço Ferdinand de Saussure e da publicação póstuma de seu Curso de Linguística Geral (1916). A sua contribuição deu condições efetivas para a construção da linguística como uma ciência autônoma. Atualmente pode-se distinguir muitas correntes ou escolas linguísticas, mas, segundo Lyons (1979, p.38), “[...] todas elas sofreram, em vários graus, direta ou indiretamente a influência do Cours de Saussure”.
O interesse pelos fatos da linguagem é muito antigo e datam de séculos antes da publicação dos escritos de Saussure. Porém, eram realizados estudos assistemáticos e irregulares, de acordo com a necessidade de cada povo e de cada cultura. E, conforme acentua Weedwood (2002, p.22):
No plano geográfico, é vão tentar ligar todas as tradições lingüísticas numa única seqüência cronológica, saltando da Índia à China, à Grécia e a Roma, aos povos semíticos e de volta ao Ocidente. Cada tradição tem sua própria história e só pode ser explicada à luz de sua própria cultura e de seus modos de pensamento. Cada uma tem sua contribuição particular a dar à percepção humana da linguagem.
A autora ressalta ainda que a tentativa de classificar cronologicamente esses estudos seria frustrada, pois eles foram realizados de forma independente e não podem ser relacionados historicamente uns com os outros. Deixa claro também que a tradição linguística desses povos desenvolveu-se e ainda se desenvolve paralelamente aos estudos lingüísticos modernos. Entretanto, no plano temporal, apesar de alguns modos de pensamento e de análise da língua se desenvolverem de forma autônoma, outros estudos se apresentam de forma sucessiva e com algum efeito cumulativo ou cíclico.
Diante disso, este trabalho consiste numa rápida de recuperação temporal dos estudos mais conhecidos acerca da linguagem e que, anteriores a Saussure, são considerados, de acordo com Faraco (2002, p. 28) como “um longo processo preparador” para o que viria a ser a linguística a partir das concepções saussurianas. Iniciando pela tradição hindu, passando pelas escolas grega e romana, passeando pela Idade Média, pelo Renascimento e chegando até o século XIX, pretende-se aqui fazer uma rápida retomada desses estudos.
A tradição hindu
Para que os textos sagrados não sofressem alterações ao serem recitados ou cantados nos rituais de sacrifícios indianos, os antigos hindus começaram a estudar a língua. Eles se preocuparam em descrever minuciosamente o sistema fonético e gramatical dos hinos reunidos no Veda e, segundo Lyons (1979, p.22): a classificação dos sons da fala feita pelos gramáticos hindus era mais detalhada, mais precisa e mais firmemente baseada na observação e na experiência do que qualquer outra realizada na Europa, ou em qualquer outra parte que saibamos, antes do fim do século XVIII [...]. Em sua análise das palavras, os gramáticos hindus foram bem além daquilo que se poderia julgar necessário ao seu objetivo original.
Os gramáticos hindus dedicavam-se ao estudo do valor e do emprego das palavras. O mais conhecido deles foi Panini (século IV a. C.). Ele fez uma descrição detalhada do sânscrito e sua obra consistiu-se num tratado em quatro mil regras ou <sutras>. Mais tarde, este tratado foi explicado por Pantañjali (século II a. C.). Foram estes dois que “estabeleceram as bases da gramática normativa do sânscrito, e os tratados hindus que surgiram posteriormente nada mais eram que os comentários sobre as <sutras de Panini> e sobre o <mahabahabsyja de Pantañjali>” (CÂMARA JR, 1986, p.15). Foi estabelecida pelos hindus a distinção de “substantivos” e “verbos”, e também daquilo que pode ser chamado de “preposição” e “partícula”, no sânscrito.
Esses estudos, entretanto, ficaram por muito tempo restritos aos hindus. Somente foram descobertos no final do século XVIII. Deve-se considerar também que se tratavam de estudos “puramente estáticos, relativos apenas ao sânscrito, efetuados, ademais, por homens totalmente desprovidos de senso histórico, de acordo com o gênio próprio da Índia” (LEROY, 1967, p.16). Acrescente-se, ainda, que os hindus se limitavam a fazer a descrição e a classificação dos fatos lingüísticos sem, no entanto, nenhuma explicação ou análise.
Os gregos
Os estudos gregos relacionados à linguagem baseavam-se em origens filosóficas bastante fortes. Para os gregos o problema filosófico essencial relativo à linguagem era a definição entre a noção e a palavra que a designa. Lyons (1979, p. 4) destaca que os filósofos gregos discutiam se o que regia a língua era a “natureza” ou a “convenção”. Essa oposição da “natureza” e da “convenção” era um lugar-comum da especulação filosófica. Dizer que uma determinada instituição era natural equivalia a dizer que ela tinha sua origem em princípios eternos e imutáveis fora do próprio homem, e era por isso inviolável: dizer que era convencional equivalia a dizer que ela era o mero resultado do costume e da tradição, isto é, de algum acordo tácito, ou “contra o social”, entre os membros da comunidade – “contrato” que, por ter sido feito pelos homens, podia ser pelos homens violado.
Essa discussão prolongou-se por vários séculos e dominou todos os estudos sobre a origem da língua, além da relação entre as palavras e o seu significado. Com isso, surgiram várias investigações etimológicas que instigaram e provocaram outros estudos que “pesquisavam a verdadeira natureza de uma palavra, não era a sua forma original o que eles buscavam, mas seu sentido original” (WEEDWOOD, 2002, p. 47).
A controvérsia entre “naturalistas” e “convencionalistas” evoluiu, a partir do século II a. C., para uma discussão sobre a regularidade da língua e, de acordo com Lyons (1979, p. 6):
As palavras gregas para “regularidade” e “irregularidade”, no sentido que nos ocupa, eram analogia e anomalia. Daí, os que sustentavam que a língua era essencialmente sistemática e regular são chamados geralmente analogistas e os que tomavam a posição oposta, anomalistas.
O embate entre analogistas e anomalistas nunca foi resolvido em definitivo pelos gregos e permanece até os nossos dias. Acrescente-se que essa não foi uma disputa obstinada dos dois lados e que já se reconhecia que existiam tanto analogias, quanto anomalias, ou seja, que se tratava de uma questão de regularidade ou irregularidade da língua e, que ambas as correntes contribuíram grandemente para a sistematização da gramática grega.
Destaca-se, ainda, que, apesar de ser um povo tão amante da história, os gregos não deixaram nenhuma descrição das línguas e dos povos com os quais mantiveram contato em suas inúmeras conquistas. Isso se justifica porque, convencidos de sua “superioridade intelectual, consideravam com desprezo essas línguas estrangeiras que só consentiam em estudar por razões práticas” (LEROY, 1967, p.16).
A língua grega, no entanto, foi muito estudada, principalmente nos procedimentos de estilo e de adequação da linguagem ao pensamento. Porém, segundo Lyons (1979, p. 10):
A análise particular refletida nas gramáticas escolares do grego estava tão longe de ser clara que a sua elaboração exigiu uns seis séculos [...]. Além disso, não é essa a única análise possível e, talvez, nem mesmo, a melhor. De qualquer modo, não será razoável dizer-se que os modos ligeiramente diferentes de descrever a língua, preferidos por alguns dos gramáticos gregos sejam necessariamente inferiores àquilo que foi afinal padronizado e transmitido à posteridade como a gramática do grego.
É inegável que foi bastante importante a contribuição que a gramática grega deu aos estudos da linguagem e, que esses estudos, “calcados na Filosofia, abrangeram a Etimologia, a Semântica, a Retórica, a Morfologia, a Fonologia e a Sintaxe” (CARVALHO, 2000, p.17). Assim como é sabido que eles tinham finalidades práticas. Era a gramática voltada para o fazer, para a ação e para a utilização da língua.
Em grego, a distinção dos três gêneros é atribuída a Protágoras (século V a. C.), enquanto que Platão distinguiu claramente os “substantivos” e os “verbos”.
Segundo ele os “substantivos” eram termos que funcionavam nas frases como sujeito de um predicado e os “verbos” eram termos que expressavam a ação ou afirmavam a qualidade. No diálogo do Crátilo, ele discutia, além de outras coisas, a questão da natureza x convenção.
Aristóteles, discípulo de Platão, conservou a distinção em substantivos e verbos e acrescentou as conjunções (que designavam todas as outras palavras). Da distinção de gênero de Protágoras, ele os classificou em masculino, feminino e neutro (para designar nem uma coisa, nem outra). A ele é atribuído, também, o reconhecimento da categoria de tempo no verbo grego.
De todas as escolas filosóficas gregas, a que mais se concentrou na língua foi a dos estóicos, que eram em sua maioria anomalistas. Consideravam a língua fundamental, especialmente para a lógica, mas que incluía o que chamamos de epistemologia e retórica, assim como a gramática. Eles fizeram a distinção entre forma e significado: o significante e o significado.
Os estóicos mais antigos distinguiam quatro partes do discurso: substantivo, verbo, conjunção e artigo, enquanto que os mais novos distinguiam cinco: separavam substantivos comuns e substantivos próprios e classificavam o adjetivo com o substantivo. Eles também deram ao termo caso o sentido que tem até hoje e distinguiram o caso reto do oblíquo.
Quanto aos verbos, os estóicos perceberam o caráter perfeito e imperfeito, distinguiram a voz ativa da voz passiva e identificaram os verbos transitivos e intransitivos.
Os gramáticos da escola Alexandrina (surgida com a implantação da grande biblioteca da colônia grega de Alexandria) continuaram os estudos dos estóicos e foi nessa fase que se convencionou o que chamamos hoje de gramática grega. Eles eram analogistas e, ainda, estabeleceram métodos ou paradigmas de flexão das regularidades da língua. Procuraram estudar a linguagem sob uma perspectiva mais filológica e objetivavam estudar os textos dos antigos poetas. Queriam encontrar o “texto original”, isso encorajou aquilo que perdura até os nossos dias: a idéia de que a “língua literária” é mais pura e mais correta do que a fala coloquial.
Seus trabalhos, segundo Lyons (1979, p.9-10) tinham dupla finalidade: 1- estabelecer e explicar a língua dos autores clássicos; 2- preservar o grego da corrupção por parte dos ignorantes e iletrados.
No final do século II a. C. foi “publicada” a gramática de Dionísio, da Trácia. Nela, acrescentou-se às quatro partes do discurso dos estóicos, o advérbio, o particípio, o pronome e a preposição. Essa gramática não se ocupou da sintaxe (que seria estudada uns três séculos mais tarde, por Apolônio Díscolo), mas todas as palavras gregas foram classificadas segundo as categorias de caso, gênero, número, tempo, voz, modo, etc.
Os romanos
Os romanos aplicaram ao latim, em linhas gerais, os estudos e os avanços dos helenos, porém dando uma perspectiva mais normativa, o chamado de “O Estudo do Certo e do Errado”. Acrescente-se a isso que, de acordo com Lyons (1979, p.14): o fato de serem bastante semelhantes as duas línguas em sua estrutura geral, sem dúvida, levou-os a pensar que as várias categorias gramaticais que os gregos haviam elaborados – as “partes do discurso” [...] eram categorias lingüísticas universais e necessárias.
Os latinos também não se preocuparam com o estudo das línguas com que tiveram contato e, segundo Leroy (1967, p. 19): mesmo a confrontação constante do grego e do latim (em Roma, a sociedade culta era, em grande parte, bilíngüe) foi estéril, esforçando- se os latinos em adaptar servilmente o estudo de sua língua às “regras” formuladas pelos teóricos gregos, cujas idéias nada mais faziam senão retomar e propagar.
Entre os romanos a controvérsia entre analogistas e anomalistas continuou viva e causando discussões. Dentre os estudiosos da língua no Império Romano, pode-se destacar Marcos Terêncio Varrão (século II a. C.) autor dos vinte e cinco originais do compêndio intitulado De Língua Latina, que apresentava forte influência dos estóicos.
Além de Varrão, pode-se mencionar o retórico Quintiliano (século I d. C.), Elio Donato (século IV d. C.) que escreveu a gramática normativa latina Arte Menor e Prisciano (século V d. C.). Ressalta-se que a obra desses gramáticos descreviam a língua dos clássicos, dos “melhores escritores” e não se preocupavam com a língua do seu tempo.
A Idade Média
Na Idade Média, o latim foi a língua mais estudada e expandida, por ser o idioma da igreja ocidental. Lyons (1979, p.14) destaca que o latim não “era apenas a língua da liturgia e das Escrituras, mas também a língua universal da diplomacia, da erudição e da cultura”.
Surgiram, então, vários manuais do latim, considerando que era uma língua estrangeira para tantos outros povos e que deveria ser aprendida nas escolas. Esse contato com outras línguas e culturas poderia influenciar determinantemente o latim mas, como ressalta Leroy (1967, p. 19), isso não aconteceu. Lembre-se aqui que o latim era uma língua principalmente escrita e, na medida em que era falada, cada povo e cada cultura a “reinventava”, “recriava”, dando-lhe outra sonoridade.
Muitos progressos aconteceram nos estudos gramaticais do latim na época medieval e grande parte desses avanços permanece até os dias atuais. A velha controvérsia entre analogistas e anomalistas, no entanto, continuou presente. Foi neste período, também, que, segundo Leroy (1967, p. 19): os modistae (nome que lhes vem do título Demodis Significandi dado a numerosos tratados) consideravam que existe uma estrutura gramatical uma e universal, inerente a todas as línguas, e que, por conseguinte, as regras da gramática são, como regras perfeitamente independentes das línguas particulares nas quais encontram sua realização.
Os estudos sobre a linguagem concentravam-se no latim, mas havia certa curiosidade acerca das línguas faladas. Isso se dava, principalmente, por causa do avanço do cristianismo e da necessidade de comunicação para a evangelização de outros povos. Esse foi, talvez, o embrião daquilo que hoje chamamos “estudo de línguas estrangeiras”.
Destaca-se desses estudos a obra De Grammatica latino-saxonica, seguida de um glossário ou um Dicionário latino-anglo-saxão. Dentre todos esses trabalhos, é necessário lembrar a De vulgari eloquentia e seu autor, Dante. Deve-se a ele muito em relação aos estudos da linguagem no período medieval e em sua posteridade.
Da Renascença ao fim do século XVIII
O final do século XV e primeira metade do século XVI é um período de grandes transformações. É nessa época que acontece o movimento da Reforma religiosa, a que a igreja romana reagiu com a Contra-Reforma e a Inquisição. Acontece também uma crise muito grande na visão teocêntrica do mundo, há a ascensão do pensamento antropocêntrico e o redescobrimento da arte e da literatura dos antigos gregos. Nesse período também se pode perceber, segundo Weedwood (2002, p. 68): duas abordagens bem diferentes da linguagem: a abordagem “particular”, que se concentra nos fenômenos físicos que diferenciam as línguas, e se aproxima muito das recém-surgidas ciências biológicas em seus métodos e resultados; e a abordagem “universal” que, concentrando-se nos princípios subjacentes à linguagem, continuou a buscar muito de sua inspiração e de seu método na filosofia e especialmente na lógica.
No entanto, segundo Lyons, “língua ainda era a língua da literatura: e a literatura quando se tornou objeto de estudos acadêmicos em nossas escolas e universidades, continuou a ser a obra do ‘melhores escritores’ que escreviam nos gêneros tradicionais” (1967, p. 17).
No século XVII, já se percebia claramente a crescente atenção às línguas modernas da Europa e o declínio de valorização do latim. Essa tendência atinge seu auge com a publicação da Gramática de Port-Royal, de Lancelot e Arnoud, que “demonstra que a linguagem se funda na razão, é a imagem do pensamento e que, portanto, os princípios de análise estabelecidos não se prendem a uma língua particular, mas servem a toda e qualquer língua” (PETTER, 2002, p. 12).
Essa foi a mais importante corrente do século XVII, surgindo daí o esforço de comparar línguas e classificá-las de acordo com suas identidades, ganhando cada vez mais destaque, os estudos históricos da linguagem.
E, como assegura Câmara Jr. (1986, p. 26) “no começo do século XVIII esta corrente comparatista ganhou mais consistência e segurança”. O caminho para uma ciência linguística, propriamente dita, está aí sendo preparado com o reforço dos estudos históricos e comparativos da linguagem.
A linguística do século XIX
O conhecimento e a aceitação de um maior número de línguas vai provocar, no século XIX, o interesse por aquelas que estavam sendo utilizadas, as chamadas línguas vivas. Weedwood (2002, p. 103) afirma que: a mais extraordinária façanha dos estudos lingüísticos do século XIX foi o desenvolvimento do método comparativo, que resultou num conjunto de princípios pelos quais as línguas poderiam ser sistematicamente comparadas no tocante a seus sistemas fonéticos, estrutura gramatical e vocabulário, de modo a demonstrar que era “genealogicamente” aparentadas.
A descoberta do sânscrito, no final do século XVII, foi o principal mote para que se chegasse a esses estudos comparados, pois foi percebida uma semelhança bastante significativa do sânscrito com o grego e com o latim.
A partir daí, vários estudos foram surgindo nesse viés comparatista das línguas. Jakob Grimm, por exemplo, “demonstrou na segunda edição de sua gramática comparativa do germânico, que havia diversas correspondências sistemáticas entre os sons do germânico e os sons do grego, do latim e do sânscrito em palavras de sentido semelhante” (WEEDWOOD, 2002, p. 104)
O diplomata alemão Wilhelm von Humboldt destacou o vínculo entre línguas nacionais e caráter nacional, além de formular a teoria sobre a forma “interna” e “externa” da língua, ainda dizia, segundo Leroy (1967, p. 47) que a linguagem é o órgão criador do pensamento [...]. Acreditava que a forma interna da linguagem [...] é um constituinte fundamental do espírito humano e que cada forma da linguagem pode pois ser considerada como uma caracterização do povo que a fala [...] acalentava a esperança de poder colocar a mentalidade e a língua de um povo em relação tão íntima que bastaria que uma fosse dada para que se pudesse deduzir a outra.
Havia nisso um esboço de uma psicologia das raças cujas conseqüências Humboldt certamente não previra; sabe-se como essa concepção de uma estreita relação entre a raça e a língua resvalou insensivelmente do terreno científico [...] para o terreno de uma filosofia da História assaz nebulosa, quando o Conde de Gobineau dela fez um dos fatores de sua não célebre “desigualdade das raças”, para rebaixar-se enfim ao papel de justificação pseudocientífica das criminosas teorias racistas da Alemanha nazista.
Como se sabe, as línguas mudam, evoluem e, de acordo com Weedwood (2002, p. 109), “a principal realização dos lingüistas do século XIX não foi apenas perceber mais claramente do que seus antecessores a ubiqüidade da mudança lingüística, mas também colocar sua investigação científica em base mais sólida por meio do método comparativo”.
Franz Bopp é outro estudioso que se destaca nessa linha, Petter salienta que “a publicação, em 1816, de sua obra sobre o sistema de conjugação do sânscrito, comparado ao grego, ao latim, ao persa e ao germânico é considerada o marco do surgimento da lingüística histórica” (2002, p. 12)
Outro estudioso que deve ser destacado nesta fase é Augusto Schleicher, botânico que gostava de distinguir o linguista do filólogo. Comparava o aquele ao naturalista – que abarca o conjunto de organismos vegetais; e este ao jardineiro – que se preocupa com a estética e as espécies desses vegetais. Considerava, segundo Leroy (1967, p.34) que as línguas são organismos naturais e, como tal, nascem, crescem, se desenvolvem, envelhecem e morrem. Essa concepção, deve-se acrescentar, evidencia uma forte referência à teoria da evolução das espécies, de Darwin, que começava a ser mais divulgada naquela época.
* Graduando em Letras e suas Respectivas literaturas da UEG ( Universidade Estadual de Goiás) JUSSARA-GO
De modo geral, desde a fase gramatical iniciada pelos gregos, passando pela filológica, pela gramática comparada e pela neogramática, os estudos tinham um caráter histórico das línguas e não conseguiam delimitar um objeto de estudo. Somente no início do séc. XX, a partir da publicação, em 1916, do Curso de Lingüística Geral (CLG) organizado pelos alunos Bally e Sechehaye e baseado nas idéias expostas nas aulas de Ferdinand de Saussure, que a Lingüística passou a ser considerada Ciência.
Novas perspectivas de estudos lingüísticos foram surgindo, refutando, confirmando ou reformulando as idéias apresentadas pelos estudos anteriores e que foram ampliando as possibilidades de se fazer ciência lingüística. Apontaremos algumas proposições encontradas no CLG que foram pontos de reflexões para muitos autores e que levaram, de um modo ou de outro, a essas novas propostas teórico-metodológicas de estudo lingüístico.
Consideráveis propostas poderiam ser apresentadas e discutidas neste trabalho, mas, nos deteremos em algumas reflexões levantadas por Bakhtin e Chomsky sobre a proposta saussureana no CLG e, mais detalhadamente, na teoria de Labov para o estudo da língua, com menções a alguns princípios apontados por Saussure, Bakhtin e Chomsky.
1. Ciência lingüística
Saussure, no início do séc. XX, conseguiu apresentar uma proposta que estaria de acordo com as exigências das ciências da época – de linha positivista – com conceitos, objetivos e pressupostos bem delimitados para o estudo da linguagem. Ao fazer isso, esse teórico apresenta conceitos norteadores da sua proposta que ainda servem de fundamentos para os estudos lingüísticos mais contemporâneos. Esses conceitos saussureanos foram denominados, posteriormente, de dicotomias, sendo elas língua vs. fala, sincronia vs. diacronia, significado vs. significante e sintagma vs. paradigma.
Destacaremos duas questões abordadas no CLG, a da língua como objeto da Lingüística e a do seu estudo na perspectiva sincrônica, para apresentarmos as reflexões levantadas pelos autores sobre esses aspectos.
Ao falar sobre a primeira dicotomia, acima citada, o autor mostra ser a língua o objeto de estudo da Lingüística a concebendo como um sistema de signos (constituídos por significado e significante), sendo fruto de convenção social, portanto homogênea, coletiva, imutável pelo indivíduo e exterior a ele. Essa exterioridade, segundo o teórico, comprova que a língua é convencional, mas não organizada logicamente. Ela seria, na verdade, um sistema transmitido por gerações em que o sujeito-falante não teria consciência dos processos lingüísticos.
A fala seria, então, o uso individual dos falantes e não poderia ser analisada, nesse recorte de estudo, por ser, principalmente, heterogênea e assistemática. Apesar de ter sido excluída do estudo lingüístico, não é negada a interdependência das duas e que as mudanças na língua são motivadas pela forma oral, pois “é a fala que faz evoluir a língua: são as impressões recebidas ao ouvir os outros que modificam nossos hábitos lingüísticos” (2004 [1916], p. 27, grifo nosso). Mas, reafirma que as duas são distintas, cabendo também estudos distintos.
Nesse modelo de análise, é proposto que a língua seja estudada sincronicamente, fazendo um recorte do momento histórico e desconsiderando a ação do tempo para, só então, analisar sua estrutura. Para ele, esse estudo estruturalista não poderia ser feito no molde histórico-comparado, um estudo diacrônico até então realizado.
Desse modo, o autor rompe com a tendência dos estudos diacrônicos, sugerindo o estudo sincrônico da estrutura das línguas num determinado momento histórico e num tempo específico. Tudo isso conferiu à Lingüística o estatuto de uma ciência e trouxe conceitos e reflexões significativos às análises lingüísticas posteriores.
2. Percurso lingüístico: Bakhtin e Chomsky
Autores como Bakhtin, Chomsky e Labov lançaram novas propostas para o estudo da linguagem, mas partiram daquilo que já havia sido feito pelos estudiosos que os antecederam historicamente, assim como Saussure que, por sua vez, também trouxe proposições levantadas anteriormente por Humboldt.
Antes de falar sobre a Sociolingüística, seria importante trazer alguns pontos levantados pelos dois primeiros autores citados em relação à linha estruturalista para ser percorrido o caminho que as ciências lingüísticas tomaram e, então, chegar à proposta da teoria aqui enfocada.
Bakhtin (1929) foi um dos autores que apresentou reflexões divergentes sobre a proposta saussureana no livro Marxismo e Filosofia da linguagem. Para esse autor, a língua não poderia ser concebida como homogênea, nem como um sistema imutável transmitido por gerações e adquirida pelos indivíduos, sem que estes pudessem modificá-la.
O sujeito saussureano – se é que podemos assim denominá-lo –, que não tem acesso ao sistema de língua para modificá-la – ficando a cargo do tempo e das forças sociais, transmitidas lingüisticamente por meio da fala, as mudanças ocorridas nela – é considerado por Bakhtin como sujeito atuante que se constitui na e pela língua.
Para esse autor, ela seria, então, constituída por signos ideológicos, construídos sócio- historicamente e que refletem as mudanças ocorridas na sociedade. Enquanto que para o estruturalismo, um estudo lingüístico deveria ser feito por meio de um recorte, o que configuraria um caráter estático.
Ao romper com a dicotomia, esse teórico afirma que a linguagem é uma prática social que tem na língua a sua realidade material e é vista como um processo evolutivo ininterrupto. A fala também não seria o seu objeto de estudo. Na verdade, ele afirma ser o enunciado o seu objeto e sendo visto como algo em processo que só pode ser estudado na interação verbal, no diálogo.
Essas contribuições foram significativas para o surgimento de uma nova linha de pesquisa que tem o discurso, como seu objeto de estudo. Essa linha tem como precursor Michel Pêcheux (1969) e que viu a possibilidade de se estudar o discurso, trabalhando de forma imbricada a Lingüística (Saussure), a Psicologia (Freud) e o Materialismo Histórico (Marx).
Chomsky, por sua vez, trouxe um questionamento norteador da sua proposta teórica, que tenta ser “capaz de descrever e explicar abstratamente o que é e como funciona a linguagem humana” (KENEDY, 2008, p. 127, grifo nosso). Para esse autor, o ser humano tem uma faculdade de linguagem inata, uma capacidade genética que permite ao homem falar e entender seu sistema linguístico.
A língua para o modelo gerativista inicial, na década de 60, seria homogênea e, assim, apenas um informante (tido como ideal) já seria um bom representante dela. O objeto da análise gerativista, portanto, seria essa competência lingüística do falante, tendo como
um dos objetivos buscar respostas sobre esse conhecimento das regras que governam as línguas. Chomsky apresenta uma distinção entre competência e desempenho lingüístico, afirmando que esse último seria o uso concreto da língua e, muitas vezes, apresenta desvios ou erros na exteriorização por meio da fala e se tornaria irrelevante para a teoria.
Esse estudo do funcionamento da língua focado apenas na sintaxe e o não interesse pela investigação dos “desvios” do sistema homogêneo foram alvos de crítica de quem adotou a proposta sociolingüística, que não vê a possibilidade desse estudo gerativo, desconsiderando o envolvimento e a atuação de questões sócio-históricas.
Porém, o interesse inicial dos gerativistas pela competência lingüística cede lugar à busca pela gramática universal (GU), ou seja, “[...] o conjunto das propriedades gramaticais comuns compartilhadas por todas as línguas naturais, bem como as diferenças entre elas que são previsíveis segundo o leque de opções disponíveis na própria GU” (KENEDY, 2008, p. 135).
Essa busca acaba gerando, em 1993, o modelo de Princípios e Parâmetros, em que a questão da variação sintática é amplamente discutida, e, em 1995, o Programa Minimalista. Nesse programa, questões anteriormente assumidas, voltam a ser analisadas.
Como afirma Chomsky (1997, grifo do autor), nesse momento, “a gramática gerativa procura descobrir os mecanismos que são usados [na linguagem], contribuindo assim para o estudo de como eles são usados de maneira criativa da vida normal”.
3. Percurso sociolingüístico: Labov
A Sociolingüística é um ramo da Lingüística que estuda a relação entre estrutura e funcionamento da língua e da sociedade. Surge com a intenção de trazer o papel dos fatores sociais para a configuração das línguas, papel que estava sendo desconsiderado pelas outras teorias. Suas áreas de interesse são várias como, por exemplo, questões relacionadas ao surgimento e extinção lingüística, contato entre línguas, multilingüismo, variação e mudança. Iremos nos deter nas duas últimas áreas anteriormente citadas e que são de grande interesse da Sociolingüística Quantitativa de William Labov.
Labov, já em meados do século XX, reafirma uma nova perspectiva, mostrando que o ponto de vista não seria mais o do estruturalismo que, no sentido europeu, “é um termo que se refere à visão de que existe uma estrutura relacional abstrata que é subjacente e deve ser distinguida dos enunciados reais e de que ela é o objeto primordial de estudo do lingüista” (WEEDWOOD, 2002, p.128). Nem seria a de Chomsky, que não considera as questões sociais como elemento necessário à sua proposta de estudo. Mas, um que considera a língua em seu contexto social, como defendiam alguns autores da escola de Praga como Mathesius e Neustupný.
Esses autores da escola de Praga tiveram interesse pela variabilidade e pela mudança contínua, porém, não conseguiram apresentar “métodos empíricos” (WEINREICH, LABOV, HERZOG, 2006, p.107) para trabalhar essas questões. Labov apresenta, então, uma metodologia, tendo como objeto de estudo a fala, observando seu contexto e indicando ser possível sistematizar o aparente caos lingüístico.
Para a Teoria da Variação Lingüística a língua é heterogênea, de caráter social e de variabilidade submetida, sendo a heterogeneidade algo inerente a ela. Porém, ao contrário do que afirmou estudos baseados no estruturalismo europeu, para os sociolingüistas a heterogeneidade da língua é passível de ser sistematizada pelo fato de existirem fatores lingüísticos e sociais que condicionam e que favorecem a escolha de uma das formas variantes encontradas nas comunidades de fala. Nesse ponto, a Sociolingüística estaria de acordo com o que Bakhtin diz sobre a dinamicidade da língua, pelo fato dela estar sempre em processo de transformação e por ter a questão social atuante nessa configuração lingüística.
Ao afirmar que existe variação na língua, Labov mostra que existem variantes, ou seja, formas diferentes com mesmo significado e que pelo fato de haver julgamento de valor, determinado socialmente, uma forma é tida como prestigiada e a(s) outra(s) acaba(m) sendo estigmatizada(s). Essa foi uma relevante constatação que vem contribuindo para o não preconceito lingüístico – determinado, como vimos, socialmente – e para a área da educação no sentido de compreender o porquê de alguns usos lingüísticos dos alunos que divergem do considerado padrão – que também é determinado socialmente.
Tais questões foram excluídas dos estudos saussureanos e gerativistas que, como já foi dito, vêem a possibilidade de estudo sistemático apenas tendo a língua como abstração, não sendo necessária para o estudo a coleta de dados por meio da fala de vários indivíduos.
Seria relevante também falar que na proposta de Saussure a Lingüística teria autonomia para estudar a língua sem a necessidade de contribuições diretas de outras ciências para estudar o funcionamento dela. Enquanto que na Sociolingüística, inclusive na Variacionista de Labov, é notável a participação de ciências como a Sociologia, a Antropologia, a Geologia e a História na tentativa de uma melhor compreensão da língua usada nas comunidades de fala e dos processos lingüísticos que podem gerar mudança.
Além do que foi exposto, na Sociolingüística são possíveis os estudos sincrônicos e diacrônicos para verificar a origem, a extensão e a propagação das formas variantes. Enquanto que para Saussure, os resultados e análises desses estudos não teriam relação, uma vez que os fatos da série diacrônica não são da mesma ordem da série sincrônica (SAUSSURE, 2004 [1916], pp. 101-102).
Assim, Labov juntamente com Weinreich e Herzog (2006 [1975]) lançam a proposta de uma teoria da mudança lingüística, mostrando a importância de se considerar os elementos internos e externos à língua envolvidos no processo de mudança a ser estudado. Encontramos essa reflexão na citação: “A interpretação dos dados em termos de mudança lingüística depende da inteira estrutura sociolingüística, e não simplesmente da distribuição no tempo aparente ou real” (WEINREICH, LABOV, HERZOG, 2006, p.116).
Isso significa levar em consideração cinco questões para a investigação do processo de mudança numa perspectiva variacionista, apresentadas a seguir.
Os fatores condicionantes é a primeira questão apresentada pelos autores e traz a importância de se fazer um levantamento dos fatores que estariam dando condições para a mudança, sempre combinando os fatores lingüísticos com os sociais.
A segunda é o estudo do momento de transição, em que uma estrutura vai sendo substituída por outra, passando pelo momento de alternância e pelo de substituição, surgindo o traço arcaico em oposição ao inovador. O estudo desses dialetos em transição é importante para a compreensão da mudança ocorrida.
Os encaixamentos lingüístico e social, a terceira questão abordada, revela que o modelo de língua tem “estratos discretos” funcionando diferentemente e disponíveis à comunidade de fala e que as variáveis intrínsecas são definidas por elementos lingüísticos e extralingüísticos. As variações sociais e geográficas são intrínsecas à estrutura lingüística e exercem grande influência no sistema como um todo. Cabe ao lingüista “determinar o grau de correlação social que existe e mostrar como ela pesa sobre o sistema lingüístico abstrato” (Labov, Herzog e Weinreich, 2006, p. 123).
A avaliação das variáveis lingüísticas pelos membros de uma comunidade de fala está diretamente relacionada ao caminho que um processo (em transição) vai seguir, podendo caracterizar uma mudança, em que uma das formas é substituída por outra, ou uma variação estável, em que “entende-se que a realidade encontrada na comunidade de fala se manterá inalterada por algum tempo, já que nenhuma das formas em uso se mostra mais ‘forte’, não havendo, assim, predominância de uma variante lingüística sobre a(s) outra(s)” (SILVA, 2007, p. 34). Como exemplo de variação estável em português, temos o caso do apagamento de [r] em posição de coda, em final de palavras, como “mar”, “bar” ou em verbos no infinitivo como “falar”, “beber”, “cair” etc. (CALLOU; LEITE; MORAES, 1998).
Por fim, o problema da implementação. Saber como e quando uma mudança é implementada e como o fenômeno deixa de ser visto como de mudança e passa a fazer parte da estrutura sociolingüística de uma comunidade são questões em que “é provável que todas as explicações a serem propostas no futuro próximo serão a posteriori” (WEINREICH, LABOV, HERZOG, 2006, p. 124), pois é grande o número de fatores que influencia a mudança e, por se tratar de mudança também no comportamento social, as hipóteses preditivas não são possíveis.
Trabalhos nessa perspectiva sincrônica e diacrônica vêm contribuindo para um projeto de estudo histórico social e de sintaxe diacrônica das variedades regionais, denominado “Para uma história do Português Brasileiro”, que busca uma reconstituição nacional da história do Português Brasileiro (PB). Nesse projeto, encontramos trabalhos que buscam compreender estruturas lingüísticas atuais buscando fatores sócio-históricos, demográficos e lingüísticos do passado e do presente, ou seja, fatores que atuaram e que atuam na constituição do PB.
A unificação de propostas gerativas e sociolingüistas, resultando na proposta da sociolingüística paramétrica, é marcante nos trabalhos desse projeto e vem reafirmar a possibilidade de contribuições de teorias lingüísticas diferentes como meio de dar conta de explicar o objeto de estudo e de se efetuar o objetivo traçado pelo estudioso sobre o fenômeno estudado.
Considerações finais: fim do nosso percurso, mas não o da ciência Lingüística
Este artigo buscou mostrar parte da caminhada da ciência Lingüística trazendo um apanhado sobre estudos lingüísticos, dando ênfase a algumas propostas teóricas a partir do início do século XX, com Saussure, passando pelas reflexões de Bakhtin, até chegar à proposta de Chomsky e à proposta da Sociolingüística Quantitativa de Labov, muito utilizadas em pesquisas atuais.
Ressaltando ainda de modo geral, vimos a ação científica de estudiosos que buscavam e buscam aprimorar as propostas de estudo, procurando, sempre de forma coerente, atender aos questionamentos originários das observações desse objeto complexo de estudo, que é a língua.
Muitas questões que foram deixadas de lado por algumas teorias, por motivos de delimitação de estudo e até mesmo por limitações de diversas naturezas, foram retomadas por outras e o aprimoramento das propostas teóricas oferece melhores condições a estudos que apresentam diversos olhares sobre o mesmo objeto.
As divergências nas propostas apresentadas são resultados de estudos científicos que, de forma natural, vão sendo reformulados e apresentando novas perspectivas que buscam atender da melhor maneira possível aos questionamentos sobre a língua e suas implicações. As propostas teóricas, portanto, tentam dar conta do objetivo traçado sobre o objeto focado e isso traz, inclusive, a possibilidade de se trabalhar com teorias lingüísticas diferentes, mas que em alguns pontos convergem e dão conta da explicação do objeto de estudo.
Neste texto procurou-se fazer uma retomada histórica dos mais conhecidos estudos referentes à linguagem antes da publicação da obra póstuma de Ferdinand de Saussure, o Curso de Lingüística Geral. Esses estudos são importantes porque se constituem numa preparação para aquilo em que a linguística se transformaria a partir de Saussure: uma ciência autônoma.
Destacou-se que os hindus se ocupavam da descrição do sistema fonético e gramatical de sua língua com o objetivo de que seus textos sagrados não sofressem modificações ao serem entoados nos rituais religiosos.
Já os gregos estudavam a linguagem com a intenção de estabelecer a língua dos clássicos e manter aquilo que consideravam como superioridade em relação aos outros povos, a sua cultura. Entre os gramáticos gregos a grande discussão era a de se a língua era um produto da natureza ou de uma convenção. Essa controvérsia persistiu e evoluiu para outra oposição: analogia e anomalia – embate que não foi resolvido por aqueles estudiosos.
Entre os romanos o objetivo dos estudos da linguagem não eram outros senão a manutenção do latim diante das línguas dos povos por eles conquistados. Percebe-se que os romanos também se ocupavam da descrição da língua dos clássicos, em detrimento da língua efetivamente falada pelo povo.
Na Idade Média, os estudos lingüísticos objetivavam a evangelização tanto no que se referia à manutenção do latim como língua oficial da igreja, quanto à necessidade de comunicação entre os romanos e outros povos para que a fé cristã fosse difundida.
Com a chamada Reforma Religiosa essa postura foi modificada e a língua estudada passa a ser aquela dos melhores escritores, dos clássicos. No século XVII, como declínio do latim, cresce a atenção às línguas de outros povos, surgindo a comparação entre línguas.
No século XIX é que o interesse pelas línguas vivas se estabelece mais efetivamente. Os estudos comparativos ganham novo fôlego com a descoberta do sânscrito e de suas semelhanças com outras línguas.
Com esta retomada histórica, procurou-se destacar a contribuição do Curso de Linguística Geral, aos posteriores estudos acerca da linguagem, pois antes dele os estudos sobre os fenômenos linguísticos, mesmo tendo sua importância, sempre tiveram motivações externas à própria língua. Somente a partir de Ferdinand de Saussure é que a língua por si mesma passa a ser objeto de estudo de linguistas e de estudiosos da linguagem.
Referências
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