domingo, 1 de maio de 2016



A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA 



LÍNGUA ESTRANGEIRA NO BRASIL SOB O ANALISE DO LIBERALISMO E DO MARXISMO



INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo investigar a formação de professores em língua estrangeira no Brasil. Além dos estudos e práticas desenvolvidos durante os cursos de graduação, por meio da formação continuada dos professores, pretende-se melhorar a qualidade de ensino. Essa tem sido uma das principais medidas incentivadas nas políticas públicas adotadas pelos governos municipais e apoiadas pelo governo central, por meio de recursos próprios. Vários problemas têm sido detectados na aprendizagem dos alunos em língua estrangeira, mais especificamente em língua inglesa, ensinada como língua estrangeira moderna em escolas públicas e particulares no país. Dentre esses problemas destacam-se ações direcionadas aos professores, à sua formação e preparo profissional e pouco aplicadas aos alunos. Nas ações educativas verificadas, a aprendizagem de forma reprodutiva não desperta nos alunos o espírito crítico-reflexivo dos conhecimentos assimilados ou não, o que vem concorrendo para a sua não-inclusão. A didática praticada não favorece a competência comunicativa. Os professores trabalham baseados em experiências não muito bem-sucedidas, apresentando sérias dificuldades teóricas e metodológicas de conteúdo. Para este estudo, serão relacionados os referenciais teóricos que têm contribuído para a formação dos professores, como também na interpretação da sua prática pedagógica. Embora possamos reconhecer inúmeras ideologias acerca dessa formação e prática, nosso objeto de investigação pautar-se-á por duas correntes de pensamento que têm sido apontadas como as mais contraditórias e atuantes na contemporaneidade, como o liberalismo e o marxismo.

REALIZANDO UM DIAGNÓSTICO DO ENSINO DA LÍNGUA INGLESA NO BRASIL

Na sua apresentação, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) consideram a aprendizagem da língua estrangeira no ensino fundamental como uma possibilidade de se aumentar a auto-percepção do aluno como ser humano e como cidadão. O ensino da língua estrangeira exercerá sua função social na sociedade brasileira focalizando, principalmente, o uso da leitura, “além de outras habilidades comunicativas em função da especificidade de algumas línguas estrangeiras e das condições existentes no contexto escolar”. (p.15).

As questões teóricas que ancoram os parâmetros de língua estrangeira referem-se à visão sócio-interacional da linguagem e da aprendizagem. Os Parâmetros Curriculares Nacionais caracterizam o objeto de ensino; tratam do papel da área de língua estrangeira no ensino fundamental diante da construção da cidadania; analisam a relação entre o processo de ensinar e aprender língua estrangeira com os temas transversais; consideram os objetivos, os conteúdos e a avaliação. 

Vários pontos apresentam-se, entretanto, para discussão. Em primeiro lugar, a escolha do material didático não tem favorecido o desenvolvimento suficiente da competência comunicativa e suas dimensões de forma integral. As atividades propostas não têm, de modo geral, aproveitado as potencialidades educativas que a disciplina oferece para contribuir para a formação de uma personalidade integral e auto-determinada do aluno. Predomina, no desenvolvimento das aulas, um processo de caráter essencialmente instrutivo-cognitivo, com aulas centradas no professor, e não no aluno ou na sua interação. O aluno tende a aprender de forma reprodutiva, não desenvolvendo suas habilidades e possibilidades para a reflexão crítica e auto-crítica dos conhecimentos que aprende, o que limita a sua participação no processo, a sua inclusão.

Os professores, por sua vez, localizam problemas em termos da reduzida carga horária da disciplina, das limitações de sua formação específica, da falta de motivação, da precariedade das condições salariais, do mercado de trabalho. Os alunos, principalmente nas nossas escolas públicas, encontram grandes dificuldades de aprendizagem, além do fato de não perceberem a necessidade de aprender um idioma estrangeiro, algo tão distante da sua realidade. Ao aprender uma língua estrangeira, o aluno deve, também, entrar em contato com os bens culturais que ela engloba. Por isso, o foco da aprendizagem deve ser a função comunicativa da linguagem.

Vem desde a época antiga a necessidade de o homem comunicar-se com falantes de outras línguas. Os motivos são os mais variados: econômicos, profissionais, turísticos, sociais, diplomáticos, militares ou comerciais. Inicialmente, a aprendizagem fazia-se pelo contato direto com estrangeiros. Porém, além dessa maneira espontânea e informal, já se evidenciava o estabelecimento de métodos mais formalizados desde a conquista dos sumérios pelos acadianos, a partir do ano 3000 A.C., aproximadamente. Os acadianos adotaram o sistema de escrita dos sumérios e aprenderam a língua dos povos conquistados.

Os romanos também buscaram a aprendizagem da língua utilizada pelos povos que conquistaram. Aprenderam o grego devido ao prestígio da civilização grega. Vêm do terceiro século D.C. os primeiros manuais de aprendizagem de uma língua estrangeira, usados pelos falantes do latim que aprendiam o grego.

Durante a Idade Média, os mestres adotavam o sistema de aprender letras, depois sílabas, em seguida palavras e, finalmente, frases. Estudava-se a gramática a partir dos textos religiosos. Ao longo do tempo, surgiram tendências variadas sobre o ensino de línguas estrangeiras. Para sumarizar, três escolas de pensamento podem ser apontadas como as principais tendências no estudo da aquisição de uma língua estrangeira. Essas escolas são apresentadas em uma seqüência cronológica, muito embora, às vezes, alguns componentes se sobreponham. As escolas e as abordagens sobre o ensino de línguas estrangeiras são apresentadas conforme estudos em Almeida Filho (1999), Brown (2000), Nunan (1999), Pedreiro (2002) e Widdowson (1991).

Estruturalismo e Comportamentalismo

Durante os anos 40 e 50 do século passado, a escola de linguística estrutural ou descritiva, através dos seus representantes principais – Leonard Bloomfield, Edward Sapir, Charles Hockett, Charles Fries e outros primavam por uma rigorosa aplicação do princípio científico de observação das línguas humanas. A tarefa do estudioso da língua, para os estruturalistas, era descrever as línguas humanas e identificar suas características estruturais. Para o linguista estrutural ou descritivo, apenas os dados abertamente observáveis eram examináveis; era importante a noção de que a língua pode ser separada em pequenas porções ou unidades, que podem ser descritas cientificamente, contrastadas, e unidas novamente para formar o todo.

Racionalismo e Psicologia cognitiva

Nos anos 60 do século passado, surgiu a escola de linguistas gerativo transformacional, através da influência de Noam Chomsky. Para Chomsky, a linguagem humana não pode ser analisada simplesmente em termos de estímulos e respostas observáveis ou volumes de dados coletados por linguistas de campo. O linguista gerativo estava interessado não apenas em descrever a linguagem, mas também em atingir um nível de explicação no estudo da língua. Construtivismo O construtivismo só emergiu como um paradigma predominante no final do século passado. De acordo com o construtivismo, todos os seres humanos constroem sua própria versão da realidade e, por isso, múltiplas maneiras contrastantes de conhecer e descrever são igualmente legítimas. Pesquisadores sobre a aquisição de primeira e segunda língua têm demonstrado perspectivas construtivistas através de estudos sobre o discurso conversacional, os fatores socioculturais na aprendizagem e teorias interacionistas. Abordagens Atualmente, fala-se em diferentes abordagens sobre o ensino de línguas estrangeiras.

Para Almeida Filho (2002, p. 17), “uma abordagem equivale a um conjunto de disposições, conhecimentos, crenças, pressupostos e eventualmente princípios sobre o que é linguagem humana, Língua Estrangeira, e o que é aprender e ensinar uma língua-alvo.” As abordagens sobre o ensino de línguas estrangeiras refletem as concepções sobre o ser humano, sobre a sala de aula e sobre os papéis que representam o professor e o aluno da nova língua – envolvem o processo ou a construção do aprender e do ensinar uma nova língua. No final do século XIX, o método clássico adotado para o ensino do latim passou a ser conhecido como o método de Gramática e Tradução. Segundo essa abordagem, localizavam-se as regras gramaticais como a base para a tradução da língua estrangeira para a língua materna. Ainda há, atualmente, instituições educacionais em que se adotam idéias desse enfoque, cujas características principais são o uso da língua materna na aula; o ensino do vocabulário com base em palavras isoladas do contexto; as explicações longas e elaboradas sobre as estruturas gramaticais; a leitura de textos clássicos de difícil compreensão; pouca atenção à pronúncia e ao conteúdo dos textos, que são vistos como exercícios do conteúdo gramatical.

O Método Direto teve grande aceitação no final do século XIX e no século XX. Foi amplamente usado em escolas particulares de idiomas, graças à motivação dos alunos e à facilidade de se contratarem professores cuja língua materna era a língua-alvo. Dentre os princípios do Método Direto, ressaltam-se o uso exclusivo da língua-alvo nas aulas; o ensino de vocabulário e expressões de uso corriqueiro; a seqüência gradativa de habilidades orais; o ensino indutivo das estruturas gramaticais; a introdução oral de novos tópicos; o ensino concreto do vocabulário concreto através de demonstração, objetos e figuras (o vocabulário abstrato era ensinado por associação de idéias); a ênfase na pronúncia e na gramática; o ensino da compreensão oral. Essa abordagem não levava em consideração o ensino público. Sua aplicação tornasse - ia muito difícil em escolas com orçamento reduzido, grande quantidade de alunos, formação não adequada de professores e heterogeneidade de níveis. O professor era o centro do ensino – o aluno não tinha qualquer autonomia e eram poucas as oportunidades de interação entre alunos.

Na metade do século XX, o Método Direto foi redirecionado àquilo que se tornou umas das revoluções mais visíveis da era moderna, o Método Áudio lingual. Nos Estados Unidos, percebia-se o ensino da leitura como mais importante do que a fala, sobretudo dado o isolamento linguístico daquele país. Entretanto, com a participação dos americanos na 2ª Guerra Mundial, houve a necessidade de uma rápida aprendizagem da língua dos aliados e dos inimigos. O exército americano financiou, então, um programa de treinamento especializado, coloquialmente chamado de o “método do exército” que foi, após variações e adaptações, transformado em Método Áudio lingual. As principais características dessa abordagem incluem a apresentação do novo material sob a forma de diálogo; a dependência de mímica, memorização de conjuntos de orações; sequências de estruturas através de análise contrastiva, apresentadas uma a uma; padrões estruturais ensinados através de exercícios de repetição; pouca ou nenhuma explicação gramatical. A gramática ensinada por meio da analogia indutiva, e não da explicação dedutiva; vocabulário estritamente limitado e aprendido no contexto; uso intensivo de fitas de áudio, laboratórios de línguas e recursos visuais; grande importância atribuída à pronúncia; pouco uso da língua materna nas aulas; reforço imediato a respostas corretas; grande esforço para a produção de enunciados corretos por parte dos alunos; tendência para manipular a linguagem e desconsiderar o contexto. Esse enfoque teve muita popularidade em âmbito mundial. Até nos dias de hoje, encontram-se resquícios dessa visão em metodologias contemporâneas. Sua aplicação, entretanto, restringe-se a poucos casos, uma vez que se percebeu que não se adquire uma língua por meio de formação de hábitos e super-exposição, que os erros não precisam ser evitados a qualquer custo, e que a linguística estrutural não nos revela tudo de que precisamos saber a respeito da linguagem.

Quando as idéias de Chomsky começaram a direcionar os olhos dos linguistas e professores de idioma para a estrutura profunda da linguagem, e quando os psicólogos começaram a reconhecer a natureza fundamentalmente afetiva e interpessoal de toda a aprendizagem, a abordagem áudio lingual começou a perder seu prestígio. Nos anos 70 do século XX, a pesquisa sobre a aquisição de línguas estrangeiras começou a inspirar métodos inovadores para o ensino. Com o reconhecimento da importância dos fatores cognitivo e afetivo na aprendizagem de línguas estrangeiras, alguns métodos começaram a florescer. Tais métodos tentaram capitalizar a importância dos fatores psicológicos no sucesso da aprendizagem. Comparados aos anteriores, foram considerados inovadores e revolucionários.

Dentre esses modelos destacam-se a Sugestopédia, a Resposta Física Total e o Método Natural.

Atualmente, o ensino de uma língua estrangeira tem sido desafiador tanto para os professores possuidores de uma teoria implícita significativa, como para aqueles que já atingiram o senso de plausibilidade necessário para a busca de um respaldo teórico que amenize suas angústias no processo ensino-aprendizagem. Dentro desse pressuposto, o conceito de abordagem caracteriza o processo ensino aprendizagem. Conhecimentos explícitos e implícitos, ou seja, competências como a implícita (básica), a teórica, a aplicada (meta) e a profissional do professor ou de quaisquer outros agentes de ensino (autores de livros didáticos, planejadores de cursos, produtores de instrumentos de avaliação, pais, tutores) movem todo o processo. A abordagem contribui à medida que mostra caminhos para desenvolvimento de ações da operação global de ensinar uma língua estrangeira, como o planejamento, a seleção de materiais pedagógicos, os procedimentos adotados e a avaliação adequada.

A abordagem comunicacional e suas concepções

A abordagem comunicativa ou comunicacional começou a adquirir raízes nos anos 1970, quando se iniciaram os movimentos de busca de uma competência comunicativa na língua-alvo. Foi surgindo um interesse maior sobre os aspectos sociais da linguagem, com um foco no sentido, no significado e na interação entre sujeitos na língua estrangeira. Conforme Almeida Filho (2002), o ensino comunicativo é aquele que organiza as experiências de aprender em termos de atividades relevantes/tarefas de real interesse e/ou necessidade do aluno, para que ele se capacite a usar a língua-alvo para realizar ações de verdade na interação com outros falantes-usuários dessa língua, Para Tardin Cardoso (2003), a abordagem comunicacional fundamenta-se nas visões cognitiva, humanística e sociolinguística de ensinar e aprender uma língua estrangeira. A visão cognitiva valoriza a aplicação de tarefas para fazer com que o aprendente experimente envolvimento cognitivo: solução de problemas, relatos de filmes, anotações, compreensão de leitura e compreensão auditiva. A visão sociolinguística relaciona-se às dimensões socioculturais da linguagem. A visão humanística incorpora filosofias educacionais baseadas na psicologia humanista, que têm como finalidade desenvolver a pessoa como um todo na sociedade humana. Os aprendentes são levados a aceitar a responsabilidade pela sua própria aprendizagem, a tomar decisões, a expressar sentimentos e opiniões sobre necessidades, habilidades e preferências.

A abordagem comunicativa valoriza as produções do aprendente. O ensinante tenta favorecê-las, apresentando ocasiões múltiplas e variadas de construir na língua estrangeira. A aprendizagem é centrada no aprendente, não apenas quanto à seleção de conteúdo, como também das técnicas aplicadas na sala de aula. Almeida Filho (2002) considera a comunicação importante para a construção de processos produtivos de aprender e ensinar uma língua nova porque “é na comunicação verdadeira, linguisticamente intensa, afetivamente envolvente e veiculada na própria língua alvo, que vai se construir no aprendiz uma competência comunicativa na nova língua”. (p.23). Na maioria dos métodos ou abordagens, existe a tendência de supervalorizar o papel que desempenham ou professores ou estudantes no processo de aprendizagem da competência comunicativa da língua estrangeira. Isso tem provocado o surgimento de aulas centradas somente no professor ou somente no aluno, quando seria melhor considerar as funções de ambos em harmonia e unidade.

A competência comunicativa, como fim do processo de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira, não tem obtido a eficiência esperada, pois não tratou das direções que a compõem com a integridade necessária. A abordagem que tem mostrado uma maior eficiência em termos da competência comunicativa é a comunicacional – que, no entanto, tem sido falha por não favorecer o desenvolvimento das competências linguística e sociocultural. A relação dialética entre os componentes cognitivo-instrutivo e afetivo-volitivo, na maioria dos métodos e abordagens, não tem contribuído com a integridade necessária para o desenvolvimento de uma personalidade integral e auto-determinada dos alunos. Feitas essas observações a respeito do ensino e aprendizagem de língua inglesa, os diversos problemas enfrentados por professores na sua prática diária, em diferentes turnos de trabalho e com as mais variadas clientelas, além do posicionamento e envolvimento (ou não) dos alunos nesse processo, questiona-se se o professor encontra-se apto a desenvolver a sua tarefa educativa, o seu trabalho didático. Seria interessante observar se os cursos de formação de professores estão discutindo essas questões, além de proporcionar oportunidades concretas de aquisição e domínio do conteúdo. E após a graduação, observar, também, se os cursos de formação continuada estão favorecendo essa reflexão.

Neste trabalho, vamos considerar os referenciais teóricas que têm influenciado a formação dos professores de língua estrangeira. Apesar de reconhecer que diversas ideologias interferem nas decisões, nosso objeto de investigação deter-se-á no liberalismo e no marxismo, por serem as correntes mais contraditórias e atuantes na contemporaneidade.

CARACTERÍSTICAS DO LIBERALISMO E DO MARXISMO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA NO BRASIL

O Liberalismo

Após analisar vários estudos sobre o liberalismo, ressaltando a diversificação como elemento marcante na sua história, sua capacidade de regeneração, derivações no presente e relação constante de reciprocidade com o capitalismo, Santana (1996, p. 83) define o liberalismo [...] como expressão ideológica historicamente necessária do capitalismo.

Tal expressão ideológica pode ser entendida aqui como um conjunto de idéias que, de maneira ordenada e sistemática, justifica e racionaliza os interesses do capital e, assim, serve de fundamento e sustentação, ao mesmo tempo que contribui para impulsionar o próprio fundamento, organização e manutenção do capitalismo, enquanto modo de produção hegemônico nas sociedades ocidentais. Historicamente tal ideologia tem apresentado nuanças, seguindo o ritmo e a ordem do próprio capitalismo, buscando assegurar a prevalência dos interesses da classe que controla e usufrui dos melhores benefícios de tal modo de produção.

Embora se apresente de forma diversificada, com diferentes manifestações ao longo da história, com as nuanças que seguem a ordem do próprio capitalismo, pelo movimento do capital, o liberalismo possui unidade sob a forma dos três princípios que acompanham todas as variações históricas da sociedade capitalista: o individualismo, a propriedade privada e o Estado. No Brasil, uma das evidências de aplicação desses princípios refere-se às estratégias de privatização desencadeadas a partir dos anos 1970, com reflexos no campo da educação. Apesar da apresentação desses princípios fundantes do liberalismo como universalidades abstratas, ou seja, como inerentes a qualquer tipo de sociedade, na verdade, são criações humanas, que vêm se mantendo e se transformando ao longo da história. Desde o liberalismo clássico, a partir do século XVIII, passando pelo neocapitalismo e chegando ao neoliberalismo dos dias atuais, observa-se a incorporação e a superação histórica de alguns dos seus pressupostos, mantendo-se os movimentos cíclicos do processo de produção na sociedade capitalista.

No momento atual do neoliberalismo, evidenciam-se as propostas baseadas nos três pilares do desmonte do Welfare State, do livre mercado para a acumulação de capital e do livre curso do capitalismo. Nas políticas sociais, vigoram: a) a descentralização do poder do estado, através do envolvimento do cidadão em setores como a educação e a saúde, através de parcerias entre o público e o privado; b) a concentração da aplicação dos recursos públicos em programas destinados aos setores mais fragilizados do sistema social; c) o deslocamento dos serviços do setor público para o setor privado, a privatização por meio de venda, transferência ou desregulamentação.

No campo da educação, as reformas educacionais, iniciadas no final dos anos 1980, partiram dos princípios determinados pelos organismos multilaterais, com o objetivo de crescimento econômico, procurando alinhar a empresa, a escola e os conteúdos ensinados com as exigências do mercado. As mudanças econômicas, impostas pela globalização, exigem maior produtividade dos trabalhadores e a educação tem que preparar o cidadão para esse quadro. As reformas educacionais incorporam um objetivo político bem definido, incluindo a estrutura administrativa e pedagógica da escola, a formação de professores, os conteúdos a serem ministrados e os aportes teóricos adotados.

O ideário neoliberal abraçado pelo governo brasileiro, principalmente a partir dos anos 90 do século passado, vem refletindo em suas leis e projetos a subordinação ao capital. Na formação de professores, o que se vem enfatizando é a preocupação com o papel que esse profissional deve desempenhar no mundo atual. Os elementos constitutivos desse receituário de formação são a universalização, a profissionalização, a ênfase na formação prática e a validação das experiências, a formação continuada, a educação a distância e a pedagogia das competências.

Na formação do professor de língua estrangeira, as faculdades de Letras não fugiram às tendências observadas na formação de professores de outras áreas. A formação de professores para ensinar a língua estrangeira no ensino fundamental e médio fica relegada a um segundo plano. De acordo com Teixeira (1971, p. 99): A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, criada na década de exatamente para enfrentar esse problema da diversificação e expansão dos sistemas escolares, deveria transformar-se na grande escola de formação do professor e de estudo dos problemas de currículo e organização desse novo sistema escolar. Mas a duplicidade dos seus propósitos de preparar o professor secundário e, ao mesmo tempo, os especialistas e pesquisadores das diversas disciplinas, [...] levou a Faculdade de Filosofia a buscar sua distinção no preparo de especialistas e pesquisadores em ciências e humanidades, ficando a função do preparo dos professores secundários como função residual.

Teixeira contribuiu com a discussão sobre a formação de professores ao apontar para a necessidade, além da formação inicial, da reatualização, da reconfiguração nos elementos de formação. Para a formação do profissional que vai ministrar aulas de línguas estrangeiras, esses aspectos são importantes, se direcionados para o papel da educação em sua ação social transformadora. Na obra de que se extraiu a citação acima, Anísio Teixeira, como liberal pragmático, aparece como um filósofo da educação, propondo medidas para democratizar o ensino brasileiro, a fim de reconstruir a nação. Defende o acesso de todos à escola, uma vez que a educação não é privilégio de poucos. Mas o desenvolvimento que defende é individual – no espaço educacional, as histórias individuais devem construir a história da nação. Teixeira parte de um conjunto de obras em que se discute a educação no Brasil. Faz um diagnóstico das questões educacionais e propõe uma política pública, de governo, cobrando que a educação seja uma política de estado. Estado, aqui, entende-se como o estado brasileiro, liberal. De acordo com os pressupostos liberais, a educação é parte de um contexto cultural da sociedade, tem uma relação orgânica com a sociedade; a escola é um instrumento de controle social, o que restringe a possibilidade de ação transformadora – a educação não é apenas produto do pensamento; também é produtora do pensamento. A obra de Teixeira introduz uma doutrina para assegurar a unidade da nação. Essa é a principal crítica a Teixeira: por ser doutrinário, não abre espaço para a dialética.

A educação é a prática da liberdade. Não deve ser apenas um processo para adaptar o indivíduo ao status quo. No mundo contemporâneo, em vários países e também no Brasil, o neo-liberalismo é um dos fatores que bloqueiam o papel que a educação deve desempenhar para desenvolver uma sociedade mais democrática e mais bem informada. As reformas educacionais ocorrem em resposta a estímulos neo-liberais internacionais e são consideradas mais como um investimento para indivíduos do que para uma transformação social; seus custos e benefícios são avaliados de acordo com os princípios de mercado. O formador do professor de língua inglesa deve estar atento às conexões que podem ser feitas entre ideologia e linguagem. A língua inglesa é o idioma falado pelos principais “globalizadores” do mundo contemporâneo, e os formadores de professores podem perpetuar as agendas neo-liberais se forem meros transmissores de antigos ensinamentos, meros consumidores do conhecimento estabelecido. A compreensão do significado essencial do neoliberalismo é uma condição essencial para que professores e formadores de professores de idiomas liberem suas práticas da influência da supremacia neo-liberal e eduquem seus professores em formação para o pensamento crítico, reflexivo, transformador.

O Marxismo

O marxismo é uma teoria científica. Seu objeto é a sociedade capitalista; seu objetivo é colaborar para a superação revolucionária dessa sociedade. Como teoria científica, o marxismo implica uma ideologia, uma visão de mundo, questões epistemológicas e questões de ordem política. Essa teoria forma um complexo organizado de hipóteses verificáveis, com base na análise histórica concreta dos processos sociais que envolveram a gênese, a constituição e o desenvolvimento da organização social capitalista. Marx atribuiu à sua teoria o nome de ciência da história, referindo-se ao caráter passageiro de todas as obras humanas (ao fato de que nada do que o homem produz é “natural”) e à necessidade que o homem tem de compreender seu papel na sociedade. O trabalho é a categoria central dentro da teoria marxista. É pelo trabalho que o homem emprega suas capacidades físicas e mentais, para agir sobre a natureza e transforma la, a fim de atender às suas necessidades concretas e históricas. Esse trabalho que o homem realiza só pode ocorrer, historicamente, em conjunto com outros homens, daí o entendimento do homem como ser prático e social. Apesar de nunca ter escrito diretamente sobre a educação, a obra de Marx influenciou e tem influenciado escritores, acadêmicos, intelectuais e educadores. Sua principal obra, O Capital, versa sobre economia, mas Marx tem sido reconhecido como cientista social e filósofo político. Nos seus 40 anos de produção intelectual, enriqueceu sobremaneira o conhecimento que se tem do mundo, das relações, do papel do homem na sociedade. Na base do pensamento de Karl Marx, encontra-se o conceito de luta de classes.

Antes de Marx, outros estudiosos da sociedade já haviam mencionado essa luta, mas o que há de novo na conceituação de Marx é o reconhecimento de que a existência de classes está ligada a modos de produção particulares ou à estrutura econômica e que o proletariado, a nova classe trabalhadora instituída com o capitalismo, tem o potencial histórico de abolir todas as classes e estabelecer uma sociedade sem classes. Cada sociedade, desde a sociedade tribal, passando pela feudal e chegando à capitalista, é caracterizada pela maneira como os indivíduos produzem seus meios de subsistência, sua vida material, como produzem seus bens e serviços de que precisam para viver. Como resultado de seu modo de produção ou economia, cada sociedade cria uma classe que domina e uma classe que é subordinada, com uma relação antagônica e diferentes interesses. A classe que domina, por deter os meios necessários à produção da existência, impõe o seu projeto de sociedade à totalidade do modo de produção, nas esferas econômica, política, social, educacional. O sistema político, o sistema legal, a família, a mídia, o sistema educacional estão relacionados à natureza de classes na sociedade.

Para Marx, a vida não é determinada pela consciência; antes, a consciência é determinada pela vida, vida no sentido da atividade material diária. Diferentemente de muitos filósofos do seu tempo, o pensamento e a consciência humana, para Marx, estão enraizados na atividade humana. Isso quer dizer que a maneira como trabalhamos, a forma como produzimos a nossa existência, o modo como organizamos a nossa vida diária reflete-se no modo como pensamos sobre as coisas e no tipo de mundo que criamos. As instituições que construímos, os filósofos cujo pensamento adotamos, a cultura da sociedade, tudo se determina pela estrutura econômica da sociedade. Tendo em vista esses pressupostos, qual seria a função da escola? Poderia a sociedade ser modificada pela ação da educação? Mais especificamente, como fica a formação do professor de línguas estrangeiras sob o enfoque do marxismo?

A condição própria do marxismo é a ação social transformadora. A teoria cientifica proposta por Marx não serve apenas para analisar as relações sociais, mas para transformar a sociedade. É necessário estabelecer a relação entre a educação, como objeto de investigação singular na totalidade social e o universal, o que dá sentido a todas as singularidades.

Para abordar um aspecto de suma importância na formação de professores sob o enfoque do marxismo, selecionei um autor marxista, Carlos R. Jamil Cury (1985). Embora o foco do autor se dirija ao fenômeno educativo como um todo, sem particularizar disciplinas e níveis de ensino específicos, acredito que pode contribuir para a formação de professores de diferentes disciplinas, inclusive a língua estrangeira. Todos os cursos de formação de professores, a meu ver, deveriam desenvolver nos professores em formação a capacidade de analisar o contexto social em que irão desempenhar sua atividade profissional. A graduação seria o momento de refletir, com os demais acadêmicos e o professor formador, sobre de que forma a sua atividade educacional pode contribuir para a superação das estruturas que consideramos injustas. Na realização dos estágios, novas possibilidades se abrem, uma vez que o professor em formação já se encontra em contato com a realidade social, já vai construindo elementos que irão fundamentar a sua futura prática.

Cury estabelece categorias para compreender o fenômeno educativo, por não aceitar a educação na dimensão que satisfaça a reprodução das relações sociais, uma vez que “a perspectiva de uma ação transformadora dentro da educação não poderia ficar apenas com a reprodução”. (p. 7). Sua análise sobre a educação adota como ponto de partida a compreensão da sua presença imanente numa totalidade histórica e social. A educação manifesta a totalidade e participa da sua produção; não reproduz as relações de classe: elas estão presentes na educação e a articulam com a realidade. Sua análise considera a visão dialética do homem:

Uma visão dialética do homem e de seu mundo histórico-social implica conceber os dois termos da contradição (indivíduo-sociedade) de modo a rejeitar tanto a concepção que uni lateraliza a adaptação do indivíduo à realidade do status quo, como a que propõe a realidade como um dado estático. Mas, além disso, implica conceber a realidade social como efetivo espaço da luta de classes, no interior da qual se efetua a educação, rejeitando a impositividade da dominação, como o espontaneísmo das classes dominadas. (p. 13)

As categorias propostas pelo autor cumprem as funções de interpretar o real e indicar uma estratégia política para essa realidade que não é uma petrificação de modelos, pois está em constante movimento, constante expansão, daí a necessidade de se considerar o contexto. Para o formador do professor de línguas estrangeiras, essa concepção da realidade mutável é fundamental – cada disciplina escolar, afinal, cumpre um papel específico no contexto educacional, nessa diversidade histórica da sociedade em que atuamos. O educador e o formador de educadores não podem se esquecer dessa diversidade e das possibilidades de mudanças a serem operadas.

Na definição das categorias, Cury as apresenta como conceitos para “refletir os aspectos gerais e essenciais do real, suas conexões e relações. Elas surgem da análise da multiplicidade dos fenômenos e pretendem um alto grau de generalidade”. (p. 21). Como são instrumentos para compreender a realidade social concreta, só terão sentido se assumidas pelos agentes da prática educativa. A primeira categoria proposta é a da contradição, base de uma metodologia dialética, que reflete o movimento originário do real, pois é o motor interno do desenvolvimento da realidade. A segunda categoria é a da totalidade, posposta para que seja possível conectar um processo particular com outros processos, de forma dialética, para depois se chegar a uma síntese mais ampla. A terceira, a da mediação, justifica-se pela interação entre os processos, na relação entre contrários de modo dialético e contraditório. A educação , pelo seu caráter de organização e transmissão de idéias, atua como mediadora das ações executadas na prática social. A quarta categoria, a da reprodução, é incluída pela característica que toda sociedade tem de buscar a sua própria conservação através de suas instituições, reproduzindo as condições que mantêm suas relações. A quinta categoria, a da hegemonia, mostra que obter um consenso é importante para que se reproduzam as relações de produção.

A conclusão a que chega o autor, após a análise de cada uma dessas categorias, reforça a visão da educação como uma das atividades que participam das relações sociais contraditórias, o que a leva a ser entendida como [...] uma instabilidade mais ou menos aberta à ação social. Se sua função social esteve mais comprometida com os interesses dos grupos dominantes do que com os interesses e valores das classes subalternas, isso não é uma fatalidade e nem é a sua sina. Se coopera com a reprodução das estruturas vigentes, ela se mescla no conjunto de uma ação social transformadora, que se opõe à organização capitalista de produção, mediante a aceleração da consciência de classe. E para tanto é preciso erigir sobre a prática educativa uma teoria mais elaborada que revele, no caráter hegemônico, mediador e contraditório dessa prática, os elementos decisivos de sua superação. (p. 130).

MELHORES CAMINHOS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUA INGLESA NO BRASIL

Dentre as várias tendências, métodos e abordagens que tratam do ensino aprendizagem do inglês como segunda língua ou língua estrangeira, ressaltamos a tendência histórico-cultural, pela sua pertinência para a elaboração de uma estratégia didática mais contemporânea e adequada ao que se pretende desenvolver com os alunos do ensino fundamental nas escolas públicas. Essa tendência origina-se de uma corrente psicológica contemporânea, o enfoque histórico-cultural, oriundo das obras de Lev S. Vygotsky nos anos 1930 e enriquecido por seus seguidores. As fontes destas análises encontram-se em Oliveira (1993) e Vygotsky (1988) e (1989).

Filosoficamente, tal tendência tem como base o materialismo dialético. Enfoca a comunicação como uma atividade humana. Concebe o domínio do idioma estrangeiro como uma atividade, que permite ao indivíduo gozar de uma vida mais plena, ao ampliar seu universo cultural, contribuindo para uma personalidade mais integral.

Sociologicamente, trata da relação educação-sociedade. Na dimensão individual, em que estão presentes os sujeitos portadores da ação educativa, a escola desempenha um papel primordial para desenvolver a competência comunicativa dos alunos, juntamente com a família e a comunidade. A educação é considerada como mediadora entre o homem e a cultura; nesse contexto, a língua estrangeira é um mediador instrumental para o desenvolvimento de uma cultura geral no aluno.

Sob uma perspectiva lingüística, vê-se o idioma estrangeiro como uma via para expressar idéias, emoções, sentimentos. A competência comunicativa em língua estrangeira é concebida como um processo integral da atividade humana, no qual as funções comunicativas são formas concretas que permitem o processo de apropriação da língua estrangeira e  contexto como condição para que se produza esse processo.

Sob o ponto de vista pedagógico, a aula de língua estrangeira deve garantir a justiça e a igualdade, com atenção à individualidade e à diversidade. A comunicação é uma atividade que favorece os aspectos cognitivo e afetivo.

As exigências didáticas envolvem a estrutura do processo a partir do aluno como protagonista nos distintos momentos da atividade. Orienta-se o aluno para a busca ativa do conhecimento. Estimula-se a formação de conceitos e o desenvolvimento dos processos lógicos do pensamento e o alcance do nível teórico. Utilizam-se formas de atividade e comunicação que permitam favorecer o desenvolvimento individual, obtendo uma adequada interação do individual com o coletivo no processo da aprendizagem.

Nessa metodologia, ressaltam-se conceitos de Lev Vygotsky, como o professor como mediador entre o conhecimento espontâneo do aluno e o conhecimento elaborado pela norma culta; o grupo como mediador de novas aprendizagens; os processos psicológicos superiores, inclusive a metacognição; as duas funções da linguagem; o conceito da zona de desenvolvimento proximal; brinquedo e desenvolvimento; percepção, atenção e memória como funções psicológicas superiores. A teoria socio interacional de Vygotsky, ao explicar o desenvolvimento da fala e o desenvolvimento cognitivo do ser humano, tem servido como base sólida para as recentes tendências em direção a metodologias de ensino de línguas estrangeiras menos planificadas e mais naturais e humanas, mais comunicativas e baseadas na experiência prática. A abordagem de Vygotsky da aprendizagem é dinâmica o suficiente para tratar dos complexos elementos intrincados na aprendizagem da língua estrangeira.

Ao examinar a validade e a adequação de alguns conceitos vigotskianos para uma melhor compreensão dos processos de aprendizagem de línguas estrangeiras, Nascente (2003/2004, p.104) enfatiza que o desenvolvimento da linguagem, dentro de uma perspectiva vigotskiana, é considerado como o aprendizado de um artefato cultural, cuja função social primitiva é a comunicação, e que serve principalmente para mediar o desenvolvimento de funções psicológicas superiores. Em situação de sala de aula, esse aprendizado deve ocorrer dentro do processo de desenvolvimento do conjunto de significados entre professor e alunos, mediado pelo participante mais proficiente, o professor, o qual dá apoio ao aprendiz, atuando dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno, enquanto este não é capaz de desempenhar a tarefa de forma independente, processo no qual ocorre o desenvolvimento tanto do aluno como do professor. Isto é, são as respostas que o aprendiz dá quando da atuação do instrutor em sua zona de desenvolvimento proximal durante a interação, que possibilitam ao professor trazer à tona o seu conhecimento e repensá-lo, explorando ao máximo a potencialidade da situação de ensino-aprendizagem. A prática instrucional torna-se, então, dentro de uma perspectiva vigotskiana, não o espaço de aplicação de uma teoria, mas o próprio espaço em que a teoria se constitui.

A discussão sobre a aprendizagem da língua estrangeira remete-nos às situações enfrentadas por professores da língua portuguesa, na aquisição da norma culta. Como afirma Cury (1985), os materiais pedagógicos, os livros, as apostilas, além de todos os meios de comunicação escritos e orais, são meios de divulgação e de difusão que refletem, nos seus conteúdos e nas suas formas, a concepção de mundo de quem os dirige. A linguagem que se utiliza é veiculada como meio de manter os padrões culturais que perpetuam as relações de dominação. Porém, enfatiza o autor, existe a possibilidade de superação. Apenas por serem adversários sociais, as linguagens da classe dominante e da classe dominada não podem se manter como dois blocos incomunicáveis. É parte da tarefa educativa superar a linguagem popular para libertá-la de clichês, de imprecisões:

[...] assumir a linguagem popular tal e qual como se ela fosse perfeita, pelo fato de vir do povo, é uma atitude tão conservadora como a que aceita tout court a língua culta sem uma crítica que vise a sua desmistificação. Não se trata de negar a conformação mais elaborada e organizada da linguagem culta, da linguagem dos escritores, mas de situá-la como um apelo à ultrapassagem da imprecisão presente na fala popular (p. 110).

A compreensão do mundo globalizado em que vivemos leva-nos a uma visão do professor de língua estrangeira desempenhando a tarefa educativa interessada na transformação das estruturas, na inclusão das classes populares no mercado de trabalho, no movimento de ultrapassagem e ampliação do universo de relações e conhecimentos. A língua inglesa é, inegavelmente, o idioma estrangeiro mais amplamente difundido no mundo dos negócios, no mundo profissional. Também se insere em nossa cultura, através de filmes, livros e artigos, músicas, computador, internet. Ao aprender a língua inglesa, cria-se a possibilidade de aumentar a auto-percepção do aluno como ser humano e como cidadão, aumentam-se as possibilidades, as escolhas.

No contexto educacional atual, é necessário enriquecer a formação cultural do aluno. Sua preparação deve situá-lo à altura das exigências do mundo contemporâneo. É preciso favorecer a formação de um ser humano culto, que compreenda os problemas do seu contexto, da sua origem e desenvolvimento, que se insira no conjunto de idéias que orientam os destinos do seu país para que, com argumentos sólidos, possa assumir uma atitude transformadora, uma atitude em busca constante de uma realidade melhor para si e para seus semelhantes.

Os PCNs (1998) tratam da língua estrangeira como caminho de libertação. Recorre se ao conceito freireano de educação como força libertadora: “uma ou mais línguas estrangeiras que concorram para o desenvolvimento individual e nacional podem ser também entendidas como força libertadora tanto em termos culturais quanto profissionais”. (p. 39).

Com essa visão, as pessoas aprendem a realizar escolhas entre possibilidades. O texto menciona, ainda, o falso nacionalismo que tende a impedir que horizontes se ampliem, que o cidadão tenha acesso ao seu desenvolvimento pleno no espaço social imediato e no mundo. A visão libertadora da língua estrangeira aplica-se a cidadãos e a países. Também com referência ao ensino da língua materna, discute-se esse conceito: “Pode-se considerar o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre a linguagem como parte dessa visão lingüística como libertação”. (p. 39).

A dominação da língua inglesa como segunda língua ou como língua estrangeira hegemônica tem sido tema em diversas análises, trazendo diferentes pontos de vista, sobretudo pelos estudiosos da linguagem. O papel desempenhado pela língua inglesa nas relações internacionais, no mundo dos negócios, posiciona-a como a língua do poder econômico e dos interesses de classes, o que pode ameaçar outras línguas. Verifica-se, no manuseio de novas tecnologias, por exemplo, a simples adoção ou a adaptação de palavras e expressões da língua inglesa, sem a preocupação de encontrar uma tradução no próprio idioma. O mesmo fenômeno pode ser observado em vários outros campos de atividades. Ao mesmo tempo em que é necessário evitar teorias totalizantes de reprodução cultural e social, é preciso atingir um paradigma crítico que reconheça o papel do indivíduo na transformação da vida social. Ainda citando os PCNs (1998, p. 40):

[...] a aprendizagem do inglês, tendo em vista o seu papel hegemônico nas trocas internacionais, desde que haja consciência crítica desse fato, pode colaborar na formação de contra-discursos em relação às desigualdades entre países e entre grupos sociais (homens e mulheres, brancos e negros, falantes de línguas hegemônicas e não-hegemônicas, etc.). Assim, os indivíduos passam de meros consumidores passivos de cultura e de conhecimentos a criadores ativos: o uso de uma Língua Estrangeira é uma forma de agir no mundo para transformá-lo. A ausência dessa consciência crítica no processo de ensino e aprendizagem de inglês, no entanto, influi na manutenção do status quo, ao invés de cooperar para sua transformação.

Para a formação dos professores de língua estrangeira, a universidade deve ser o lócus onde se discute a necessidade de a escola ressignificar sua prática, de acordo com as profundas mudanças por que vem passando desde a democratização do ensino. Nas faculdades de Letras, a prática a ser vivenciada desde o início do curso de graduação, com a participação dos futuros professores nas realidades educacionais, deve proporcionar uma fundamentação concreta das reflexões teórico-metodológicas. A formação do professor de língua estrangeira deve ser considerada como um processo contínuo. Essa formação teórico crítica capacitará o professor que é educador reflexivo, consciente de sua dimensão social, que constantemente ressignifica a sua própria prática e que está sempre em busca de novos caminhos para a sua atuação profissional.

Entendendo que o professor exerce um importante papel como agente histórico e social no processo de transformação do meio e que o seu desempenho também é influenciado pela sua qualificação, faz-se necessário discutir de que maneira essa formação tem acontecido.

Os estudos demonstram que muitos professores participam de atividades de formação continuada como enriquecimento curricular, o que nem sempre contribui para uma mudança de atitude no seu método de ensino. Extrapolar a formação apenas como titulação é um dos caminhos a serem seguidos. Quando o professor vê a formação como instrumento de mudança de seu comportamento na relação ensino-aprendizagem, com novas posturas de procedimentos, significa, no mínimo, que o professor já vislumbra na formação uma estratégia para uma nova abordagem na relação ensino-aprendizagem.

Ultrapassar os limites da formação como exigência de políticas públicas seria mais um caminho a ser percorrido. Por isso os professores não devem apenas ser um instrumento do cumprimento de políticas governamentais, quando só ao final do processo são chamados a participar de um curso. Deveriam, sim, participar inclusive da elaboração de políticas de formação, quanto ao conteúdo, métodos, tipos de abordagens. É preciso considerar que escolas diferentes têm problemas diferentes, que se apresentam apenas em determinados locais, portanto, as possíveis soluções estão também nos locais. Ouvir o professor quanto às suas ansiedades e qualificar as dificuldades significa estar mais próximo da realidade, para que a intervenção se proceda de maneira mais adequada.


Para tanto, é preciso também considerar a formação como prática constante, não só do professor, mas também do ser humano como alguém que, incessantemente, deve estar preparado para a dinâmica da aprendizagem e das mudanças que ocorrem independentemente das atitudes ou vontades pessoais. Há de se considerar as inúmeras variáveis que possam influenciar, como o contexto político-ideológico da formação. Tanto o marxismo como o liberalismo exercem influências marcantes nessa formação, direta ou indiretamente. Ė um desafio histórico construtivo e reflexivo verificar se essas correntes atingem o objetivo de mostrar a necessidade de preparar o professor de língua estrangeira como aquele que, na sua práxis, contribuirá para o despertar crítico de seus alunos, atribuindo um novo significado ao mundo, usando a nova língua como um instrumento, uma nova janela que se abre e um olhar diferente do contexto social em que se inserem.

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TEIXEIRA, A. S. Educação não é privilégio. 3.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971.

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