As 95 Teses Contra o Comércio das Indulgências (out / 1517)
Autor: Martinho Lutero
Tradução: Walter Andrade Campelo
Nota do Tradutor
Estas teses devem ser entendidas em seu contexto histórico, qual seja: Lutero era, naquele momento, um padre católico romano, devotado a esta igreja e ao Papa que a comandava. Ele era professor em um importante seminário de formação teológica da igreja romana, e tinha profunda formação agostiniana, o que lhe fazia dar (como pode ser visto em várias de suas teses) grande valor ao castigo físico, e aos sofrimentos em geral, como meios adequados e necessários ao crescimento Cristão e ao aprendizado da fé.
Pode-se também observar em todo o decorrer do texto, uma clara intenção de suscitar a possibilidade de reforma da igreja de Roma, antes de confrontá-la, e menos ainda de dividi-la.
A divulgação das "95 teses" não foi, como tem sido ensinado por alguns, um ato de heroísmo ou de desprendimento, mas foi apenas a publicação de um convite para uma "disputa acadêmica" entre mestres e alunos do seminário; haja visto sua publicação em latim e não em alemão (que era a língua do povo dali). Todo o texto é, assim, apenas um conjunto de assuntos que deveriam ser debatidos por ocasião da "disputa acadêmica", e tinha como finalidade expor questões sobre a venda de indulgências. Prática esta que possuía grandes contradições doutrinárias que aliadas à corrupção de muitos dos clérigos responsáveis por sua aplicação, faziam com que fosse vista por Lutero como grande ameaça à credibilidade da igreja de Roma, bem como do Papa.
Fica patente também, pelo texto, que Lutero esperava receber completo e irrestrito apoio do Papa no que diz respeito às suas teses, mas contrariamente às suas expectativas recebeu forte censura. A ponto de serem enviados, pelo Papa Leão X, agentes para disputarem teologicamente com ele, e de ser iniciado um processo inquisitório, que culminou em janeiro de 1521 com sua excomunhão. Foi esta oposição recebida da parte do Papa e da igreja romana, e não estas 95 teses, que fizeram com que Lutero desse início ao seu protesto, que finalmente resultou na reforma protestante.
Introdução
Por amor à verdade e com o desejo de trazê-la à luz, as seguintes teses serão debatidas em Wittenberg, sob a presidência do Reverendo Frei Martinho Lutero, Mestre de Artes e de Sagrada Teologia, e Professor Oficial das mesmas naquele lugar. Ele, portanto, pede que aqueles que estão impedidos de estar presentes e debater oralmente conosco, possam fazê-lo por carta.
Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
Teses
Nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo, quando disse: "Arrependei-vos", quis que toda a vida dos fiéis fosse arrependimento. | |
Esta palavra não pode ser entendida como significando a penitência sacramental, isto é, a confissão e a satisfação, que é administrada pelos sacerdotes. | |
Nem também significa somente arrependimento interior, e mais, o arrependimento interior é nulo, a não ser que externamente produza variadas mortificações da carne. | |
A pena [do pecado], conseqüentemente, continua enquanto continuar o ódio por si mesmo (este é o verdadeiro arrependimento interior), e continua até nossa entrada no reino dos céus. | |
O Papa não pretende nem pode remir quaisquer penas além daquelas que ele impôs seja através de sua própria autoridade ou através da dos cânones. | |
O Papa não pode remir qualquer culpa, a não ser declarando, e confirmando que ela foi remida por Deus; ainda que, para estar seguro, ele possa conceder remissão em casos que são reservados ao seu julgamento. Se seu direito de conceder remissão em tais casos for desprezado, o culpado permanecerá inteiramente sem perdão. | |
Deus não redime a culpa de qualquer pessoa sem que Ele, ao mesmo tempo, a humilhe em todas as coisas e a traga em sujeição ao Seu substituto, o sacerdote. | |
Os cânones penitenciais são impostos somente aos vivos, e, segundo os mesmos, nada pode ser imposto aos que morrem. | |
Portanto, o Santo Espírito no Papa nos é benevolente, porque em seus decretos ele sempre faz exceção ao artigo da morte e da necessidade. | |
Maldosas e sem conhecimento de causa são as obras daqueles sacerdotes que reservam aos moribundos as penitências canônicas para o purgatório. | |
Essa cizânia de transformar a pena canônica em pena de purgatório evidentemente foi semeada enquanto os bispos dormiam. | |
Em tempos passados as penas canônicas foram impostas não depois, mas antes da absolvição, como verificação de verdadeira contrição. | |
Os que estão à morte são libertos pela morte de todas as penas; eles já estão mortos para as leis canônicas, e têm o direito de serem dispensados delas. | |
A saúde imperfeita [da alma], ou seja, o amor imperfeito, dos que estão à morte traz necessariamente consigo grande temor, e tanto mais quanto menor for o amor. | |
Este temor e horror são suficientes por si sós (para não dizer outras coisas) para constituírem-se na pena de purgatório, desde que estão próximos do horror de desespero. | |
Inferno, purgatório e céu parecem diferir como o fazem o desespero, o quase desespero e a garantia de segurança. | |
Parece necessário, com as almas no purgatório, que diminua o horror e que cresça o amor. | |
Parece não ter sido provado, nem por razão nem por Escritura, que elas estão fora do estado de mérito, ou seja, do crescente amor. | |
Também parece não ter sido provado que elas, ou pelo menos que todas elas, estão certas ou asseguradas de sua própria bem-aventurança, ainda que nós possamos estar bem certos disto. | |
Portanto, por "plena remissão de todas as penas", o Papa não quer dizer verdadeiramente "de todas", mas somente daquelas impostas por ele próprio. | |
Portanto, erram aqueles pregadores de indulgências, os quais dizem que através das indulgências do Papa um homem é liberto de todas as penas, e salvo; | |
Considerando que ele não envia às almas no purgatório nenhuma pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida. | |
Se é que é de todo possível conceder a alguém remissão de todas e quaisquer penas, é certo que esta remissão poderia ser dada somente aos mais perfeitos, ou seja, pouquíssimos. | |
Isto faz ser necessário, por conseqüência, que a maior parte do povo está sendo enganada pela indiscriminada e retumbante promessa de absolvição da pena. | |
O poder que o Papa tem sobre o purgatório, de modo amplo, é exatamente como o poder que qualquer bispo ou cura tem em sua própria diocese ou paróquia, de modo particular. | |
O Papa faz muito bem quando, não pelo poder das chaves (as quais ele não possui), mas por meio de intercessão, concede remissão às almas. | |
Pregam a doutrina humana os que dizem que assim que a moeda tilintar na caixa, a alma voará para fora (do purgatório). | |
O certo é que quando a moeda tilintar na caixa, o lucro e a avareza poderão crescer, mas o resultado da intercessão da Igreja está somente na vontade de Deus. | |
E quem sabe se todas as almas no purgatório desejam ser remidas, como na lenda de São Severino e Pascoal? | |
Ninguém está certo de que sua própria contrição é sincera; muito menos que tenha obtido plena remissão. | |
Quão rara é a verdadeira penitência, tão rara quanto quem legitimamente adquire indulgências, ou seja, raríssima. | |
Serão condenados eternamente, junto com seus mestres, aqueles que crêem que a si mesmos garantiram salvação por causa de suas cartas de perdão (indulgência). | |
Deve-se estar em guarda contra aqueles que dizem que as indulgências papais são aquelas inestimáveis dádivas de Deus pelas quais o homem é reconciliado com Ele. | |
Porque estas graças de perdão se referem somente às penas de satisfação sacramental, e estas são impostas pelo homem. | |
Não pregam doutrina Cristã os que ensinam que àqueles que desejam alcançar a redenção da alma, não é necessário o arrependimento. | |
Qualquer Cristão verdadeiramente arrependido tem direito à plena remissão das penas e da culpa que lhe cabem, mesmo sem as cartas de perdão. | |
Qualquer verdadeiro Cristão, seja vivo ou morto, tem parte em todas as bênçãos de Cristo e da Igreja; e isto lhe é concedido por Deus, mesmo sem as cartas de perdão. | |
Entretanto, a remissão e a participação do Papa de modo nenhum devem ser desprezadas, pois (como já disse) é uma declaração de remissão divina. | |
É muito difícil mesmo para os teólogos mais capazes, exaltar ao povo, ao mesmo tempo, a abundância das indulgências e a [necessidade de] verdadeiro arrependimento. | |
O verdadeiro arrependimento busca e ama as penas, mas a abundância de indulgências relaxa as penas e faz [o povo] odiá-las, ou pelo menos, dá ocasião [a isto]. | |
Deve-se pregar com cuidado sobre as indulgências apostólicas, para que o povo, equivocadamente, não as entenda como sendo preferíveis às outras boas obras do amor. | |
Os Cristãos devem ser ensinados que o Papa não tem a intenção de que a compra de indulgências seja comparada, de qualquer forma que seja com as obras de misericórdia. | |
Os Cristãos devem ser ensinados que aquele que dá ao pobre ou empresta ao necessitado faz uma melhor obra do que [faria] comprando indulgências. | |
Porque pela obra do amor cresce o amor e o homem se torna melhor, mas pelas indulgências o homem não se torna melhor, somente mais livre da pena. | |
Deve-se ensinar aos Cristãos, que aquele que vê alguém em necessidade e o negligencia, e gasta [seu dinheiro em indulgências], não adquire indulgências do Papa, mas a ira de Deus. | |
Deve-se ensinar aos Cristãos, que a menos que tenham muito mais do que necessitam, devem separar o que é necessário às suas próprias famílias, e de modo algum desperdiçar dinheiro com indulgências. | |
Deve-se ensinar aos Cristãos que a compra de indulgências é uma questão de liberdade e não um mandamento. | |
Deve-se ensinar aos Cristãos que o Papa, ao conceder indulgências, necessita e, portanto, deseja as suas devotas orações em seu favor, mais do que o dinheiro que lhe apresentam. | |
Deve-se ensinar aos Cristãos que as indulgências do Papa são úteis se eles não depositarem sua confiança nelas; mas [são] completamente nocivas se através delas eles perderem o temor de Deus. | |
Deve-se ensinar aos Cristãos que se o Papa soubesse das extorsões dos pregadores de indulgências, ele preferiria que a Basílica de São Pedro fosse reduzida a cinzas, a ser ela edificada com a pele, a carne e os ossos das suas ovelhas. | |
Deve-se ensinar aos Cristãos que seria desejo do Papa, como é seu dever, dar do seu próprio dinheiro a muitos daqueles de quem os mascates das indulgências extorquem o dinheiro, mesmo que para isto a Basílica de São Pedro tivesse que ser vendida. | |
Vã é a garantia de salvação através das cartas de perdão, mesmo se o comissário, ou mesmo o próprio Papa empenhassem suas almas por elas. | |
Inimigos de Cristo e do Papa são aqueles que propõem que a Palavra de Deus seja de todo silenciada em algumas igrejas, de modo que as indulgências possam ser pregadas. | |
Injúria é feita à Palavra de Deus quando, em algum sermão um tempo igual ou maior é gasto com as indulgências que com ela. | |
O pensamento do Papa, necessariamente, é que se as indulgências, que são coisas de importância menor, são celebradas com um badalar de sino, com uma procissão e com uma celebração de cerimônia, o Evangelho que é o mais importante, seja pregado com uma centena de badaladas de sinos, e com uma centena de procissões e com uma centena de celebrações de cerimônia. | |
Os tesouros da Igreja, a partir dos quais o Papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados ou conhecidos entre o povo de Cristo. | |
Que eles não são temporais é certo e patente, por isso muitos dos vendedores [de indulgências] não os distribuem facilmente, mas somente os ajuntam. | |
Nem são eles os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operaram (sem o Papa) a graça sobre o homem interior, e, a cruz, a morte e o inferno [operaram a graça] sobre o homem exterior. | |
São Lourenço disse que os tesouros da Igreja sãos os pobres da Igreja, mas ele falou de acordo com o uso da palavra em seu próprio tempo. | |
Sem temeridade dizemos que as chaves da Igreja, dadas pelo mérito de Cristo, são estes tesouros. | |
Porque claro está que para a remissão das penas e das quedas, o poder do Papa é por si só suficiente. | |
O verdadeiro tesouro da Igreja é o Santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus. | |
Mas este tesouro é naturalmente o mais odioso, porque faz os primeiros serem os últimos. | |
Por outro lado, o tesouro das indulgências é naturalmente mais aceitável, porque faz os últimos serem os primeiros. | |
Portanto, os tesouros do Evangelho são as redes que foram anteriormente usadas para pescar homens de posses. | |
Os tesouros das indulgências são redes com as quais eles agora pescam as posses dos homens. | |
As indulgências que os pregadores proclamam como as "grandes graças" são entendidas com sendo realmente isto, na medida em que promovem ganho [de renda]. | |
Ainda que sejam, na verdade, das graças as menores [quando] comparadas com a graça de Deus e a piedade da Cruz. | |
Os Bispos e Curas são obrigados a admitir os comissários de indulgências apostólicas com toda a reverência. | |
Mas, ainda mais, são obrigados a observar com todos os olhos e ouvir com todos os ouvidos, a fim de que estes homens não preguem seus próprios sonhos ao invés do que lhes foi comissionado pelo Papa. | |
Aquele que falar contra a verdade das indulgências apostólicas, seja anátema (excomungado) e amaldiçoado. | |
Mas, bem-aventurado seja aquele que se guarda contra a concupiscência e a licenciosidade dos pregadores de indulgências. | |
O Papa, com justiça, fulmina aqueles que, de alguma forma, defraudam o comércio de indulgências. | |
Mas, muito mais deseja ele fulminar aqueles que usam o pretexto das indulgências para defraudar a santa caridade e a verdade. | |
Pensar que as indulgências papais são tão eficazes que podem absolver um homem mesmo que tenha cometido um pecado impossível e violentado a Mãe de Deus - é loucura. | |
Dizemos, ao contrário, que as indulgências papais não são capazes de remover nem o menor dos pecados veniais, no que concerne à sua culpa. | |
É dito [por alguns] que mesmo São Pedro, se fosse o Papa agora, não poderia conceder maiores graças [que as indulgências]; isto é blasfêmia contra São Pedro e contra o Papa. | |
Dizemos, ao contrário, que mesmo o Papa atual, bem como qualquer outro Papa, tem maiores graças à sua disposição; a saber, o Evangelho, as virtudes, as graças, os dons de cura, etc., como está escrito em I Coríntios XII. | |
Dizer que a cruz, erguida no brasão junto com as armas papais, equivale à cruz de Cristo, é blasfêmia. | |
Terão que prestar contas, os Bispos, Curas e teólogos que permitem que tais sermões sejam difundidos entre o povo. | |
Esta desenfreada pregação de indulgências faz com que não seja fácil, mesmo para homens doutos, resgatar a reverência devida ao Papa por causa das calúnias e mesmo [por causa] dos astutos questionamentos dos leigos. | |
A saber: - "Por que o Papa não esvazia o purgatório, por causa do santo amor e da horrenda necessidade das almas que lá estão, se ele poderia redimir um número infinito de almas com o mui funesto dinheiro com o qual constrói uma Basílica? Não são as primeiras razões mais justas; e a última insignificante?" | |
Igualmente: - "Por que continuam as missas por morte e aniversário dos falecidos, e por que ele não restitui ou permite a devolução de ofertas efetuadas em favor deles, já que é errado orar pelos já redimidos?" | |
Igualmente: - "O que é esta nova piedade de Deus e do Papa, que por dinheiro permitem a um homem, que é ímpio e seu inimigo, comprar a saída do purgatório da alma devota de um amigo de Deus, e não antes, por causa da própria necessidade daquela alma amada e devota, a livra por puro amor?" | |
Igualmente: - "Por que estando os cânones penitenciais já há muito, de fato e por desuso, revogados e mortos, estão agora sendo satisfeitos pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem vivos em pleno vigor?" | |
Igualmente: - "Por que o Papa, cuja fortuna é hoje maior que as riquezas dos ricos mais ricos, não constrói esta Basílica de São Pedro com seu próprio dinheiro, ao invés de com o dinheiros dos pobres fiéis?" | |
Igualmente: - O que é que o Papa perdoa, e qual participação ele concede àqueles que, por perfeito arrependimento, tem direito à plena remissão e participação? | |
Igualmente: - "Que bênção maior [não] poderia ser proporcionada à Igreja, se o Papa fosse fazer mil vezes por dia o que ele agora faz uma só vez, e concedesse a cada fiel estas remissões e participações?" | |
- "Já que o Papa, através de suas indulgências, busca a salvação das almas ao invés do dinheiro, por que suspende as indulgências e perdões concedidos anteriormente, se estes têm igual eficácia?" | |
Reprimir estes argumentos e escrúpulos dos leigos somente pela força, e não resolvendo-os apresentando razões, é expor a Igreja e o Papa à ridicularização por seus inimigos, e tornar os Cristãos infelizes. | |
Se, portanto, as indulgências são pregadas de acordo com o espírito e a mente do Papa, todas estas dúvidas serão prontamente resolvidas; não, mais ainda, elas nem existirão. | |
Fora, então, com todos aqueles profetas que dizem ao povo de Cristo: "Paz, Paz!" e não há paz! | |
Bem-aventurados sejam todos aqueles profetas que dizem ao povo de Cristo: "Cruz, Cruz!", e não há cruz! | |
Os Cristãos devem ser exortados a que sejam diligentes em seguir a Cristo, seu Cabeça, através de penitências, de mortes, e do inferno; | |
E deste modo estejam certos de que entrarão no céu, antes por meio de muitas tribulações, que por garantia de paz. |
1 Este texto foi traduzido do original em latim, utilizando grandemente o suporte de sua tradução para o inglês, conforme publicada em:
Works of Martin Luther:
Adolph Spaeth, L.D. Reed, Henry Eyster Jacobs, et Al., Trans. & Eds.
(Philadelphia: A. J. Holman Company, 1915), Vol.1, pp. 29-38
Adolph Spaeth, L.D. Reed, Henry Eyster Jacobs, et Al., Trans. & Eds.
(Philadelphia: A. J. Holman Company, 1915), Vol.1, pp. 29-38
FONTE:http://www.luz.eti.br/do_95teses.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe uma mensagens, se gostou das postagens.
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.