“Porque dele e por ele, e para
ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém”
(Romanos 11.36)
Uma das grandes
falhas dos pregadores, hoje em dia, é a falta de ênfase na majestade e grandeza
de Deus. Vivemos em tempos em que as mensagens valorizam mais a cura ou algo
que vem de Deus, do que o próprio Deus. Embora a aplicação na vida dos ouvintes
seja importante na pregação, muitos sermões não passam de apenas aplicações.
Algumas igrejas
esquecem que é a Graça de Deus agindo através delas que faz os filhos serem
“educados à maneira de Deus”. As pessoas casadas para sempre não
obtiveram este sucesso porque a aplicação da mensagem do curso foi feita por
elas, mas porque Deus graciosamente atuou no esposo e na esposa, transformando
pessoas com gênios diferentes em uma só carne – e a aplicação da mensagem foi o
meio pelo qual a Graça atuou. Sempre teremos temas contemporâneos
que são de mais interesse para Igreja; a frase de Karl Barth de que um pastor
deve ter a Bíblia numa mão e o jornal na outra não deixa de ser pertinente. O
perigo está justamente em termos apenas jornais nas duas mãos.
A verdade desta
idéia está contida em uma frase batida – sempre dizemos “o homem tem sede de
Deus”. Não dizemos que o homem tem sede de um casamento para sempre ou de uma
resposta para questão do homossexualismo. Uma pessoa comum tem estas questões
dentro de si, mas primariamente, ela tem o desejo de conhecer a Deus, um desejo
que só é saciado por Cristo. E não tenho dúvidas de quanto mais você conhece
alguém que ama, mais você quer conhecê-la, pois mais quer amá-la.
Os jovens de
nossa sociedade pós-moderna – inclusive a juventude cristã – têm uma certa
antipatia por organizações e instuições, inclusive eclesiásticas e
denominacionais. Conversando com jovens da Missão Horizontes e do Projeto
Radical da Junta de Missões Mundias (da Convenção Batista Brasileira), pude
perceber que havia algo em comum neles – eles não tinham qualquer temor por
enfrentar os perigos do trabalho misionário, pois aquilo que os movia era o
amor a seu Deus. Em compensação, membros dos dois projetos – que são
nitidamente iguais, pois o Radical se inspirou no Horizontes – se mostraram
muito insatisfeitos com o fato de a JMM não apoiar a Missão Horizontes porque
não era da denominação “batista”. O que moveu esses jovens foi outra coisa além
de um Deus grandioso.
É evidente que
os distintivos teológicos são importantes ao se fazer um trabalho missionário,
mas também é evidente que não são os distintivos teológicos que criam o amor à
obra e tampouco são a motivação primordial que leva um missionário a dedicar
sua vida a encontrar o povo de Deus em determinado país.
Da mesma forma,
antes de qualquer outro tema em nossa pregação, temos de enfatizar nosso Deus,
e Sua majestade, glória, poder, justiça, santidade e soberania. Outros temas
podem estar envoltos neste tema principal, mas devemos nos lembrar que as
únicas pessoas que podem falar sobre Jesus Cristo são justamente os pregadores
cristãos. Um homem não-crente, para tentar salvar seu casamento, tem uma outra
opção além de um pastor – um conselheiro. Uma pessoa doente também – o médico.
Em compensação, aqueles que buscam a Deus, só têm uma opção – o pregador do
Evangelho. Um homem com fome de Deus nao irá procurar um médico, um psicólogo,
um personal trainer, ou um conselheiro matrimonial.
Está em nossas
mãos satisfazer este homem.
“Quão formosos são, sobre os montes, os pés
do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, do que anuncia o bem, que
faz ouvir a salvação, do que diz a Sião: O teu Deus reina!”.
(Isaías 52.7)
Se o alvo de
Deus é glorificar a Si mesmo, o alvo do pregador não pode ser outro senão
glorificar a Deus - A todos os que são chamados pelo meu nome e os que criei
para a minha glória, os formei, e também os fiz (Isaías 43.7). Portanto,
antes de tentar esclarecer a Igreja sobre determinado assunto, trazer um
reavivamento à juventude, evangelizar homens perdidos, o pregador deve ter em
mente que o seu objetivo principal – do qual se derivam todos esses nobres
objetivos secundários – é exclusivamente a glória de Deus.
Como disse
antes, uma das formas que nos leva a um amor e admiração cada vez maiores por
Deus é conhecermos o máximo que pudermos dEle. E este conhecimento, por mais
que muitos neguem esta idéia, também inclui o conhecimento racional. Com a
ênfase cada vez menor por parte de algumas denominações e igrejas estão dando à
EBD, à Educação Cristã e à própria doutrina, os crentes têm muitas
“experiências” com Deus, mas poucos sabem definir o que foi a expiação vicária
de Jesus Cristo – apenas para citar um exemplo de palavras difíceis, mas que
contêm um significado profundo. Se os crentes conhecessem – não as palavras
difíceis – mas seu significado, tenho certeza que o sacrifício de Jesus se
tornaria motivo de louvor ainda maior.
A proposta não é
tornar o momento do sermão em uma parte do culto acessível apenas aos
“iniciados” mas, se os ministérios de educação cristã deixam a desejar, cabe ao
pregador explicar tais assuntos, não por um desejo de ter uma igreja mais
inteligente, mas por amor às almas desta igreja, para poder levar as ovelhas
sob seu cuidado a uma adoração cada vez mais sincera. Charles Spurgeon foi um
pastor incrivelmente popular, mas não abria mão de sua teologia, a ponto de
dizer que nunca teremos grandes pregadores até que tenhamos grandes teólogos
. Imagine quantos pregadores “disfarçados” de crentes leigos teríamos nas
ruas caso todos tivessem uma forte base teológica! Tenho certeza absoluta que
Deus seria muito glorificado com esta avalanche de pregadores anunciando o
Evangelho.
Posso citar um
caso acontecido numa classe de adolescentes de uma igreja em Brasília. Um jovem
professor assumiu esta turma e poderia ensinar um tema de sua escolha. A
princípio, ele pensou em falar sobre temas mais comuns, como namoro, sexo ou
emprego. Até que encontrou um livro de John Murray, Redenção – Consumada e
Aplicada . Decidiu que falaria sobre este assunto para os garotos, mesmo
sendo algo bastante desafiador. Imagine explicar termos como expiação vicária e
propiciação para alunos de 15 a
18 anos! Até o próprio professor teve dificuldades em entender alguns termos,
mas pela Graça do Senhor, foi capaz de aprendê-los e ensinar aos alunos,
adaptando-os à realidade deles.
Para explicar a
propiciação, foi dado o exemplo simples de um cinema, que era um local
inapropriado para realizar-se uma meditação, mas caso pudéssemos desligar a
projeção e acender as luzes, aquele local tornaria-se propício.
Conversando com uma aluna, quis saber se o assunto estava agradando. Em suas
palavras de adolescente, a garota disse “estou gostando muito de aprender
sobre esse assunto diferente, é muito legal” . O professor me contou que as
aulas fizeram um adolescente lhe dizer que a explicação sobre o sacrifício
expiatório de Cristo o fez desejar ler o tão temido e impopular livro de
Levítico. Deus é glorificado quando as pessoas desejam aprender mais e mais
sobre Ele.
É verdade que
não podemos dizer que todos aqueles que têm um grande conhecimento da Bíblia
glorificam mais a Deus (temos vários ateus com passagens prontas para serem
usadas contra os cristãos). Mas tenho certeza de que, quanto mais conhecemos a
Deus – sim, também neste sentido racional – mais O glorificamos.
Infelizmente,
vivemos em uma época em que a pregação busca mais o lado emocional das pessoas
que o homem por inteiro. Além disso, o pragmatismo reina, uma necessidade de
que o culto dê resultados, traga transformação de vidas de uma hora para outra.
As pessoas querem saber se essa igreja “funciona” ou não. Sem falar a clássica
pergunta sobre “quantas almas foram ganhas” na sua pregação.
Estes fatores
afetam fortemente o sermão contemporâneo, de forma que uma mensagem em que o
pregador gaste tempo aconselhando um casamento ou use suas habilidades para
fazer as pessoas chorarem (embora existam aqueles pregadores já especializados
em transformar mensagens em shows de comédia) é considerado bem mais útil que
aquele sermão em que o pregador concentra toda sua mensagem numa proclamação da
majestade de Deus. O arauto citado no início deste tópico talvez não fosse tão
bem recebido nos dias de hoje, ao gritar apenas “O Senhor reina”.
Exaltarmos o
Deus que nos resgatou e glorificá-Lo – nunca devemos ter qualquer outro
propósito acima deste quando pregamos. Que nós pregadores jamais esqueçamos que
“quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo” – e isto
inclui a pregação – “para glória de Deus”.
“Dele” – A Base
da Pregação
“Porque nada me propus saber entre vós, senão
a Jesus Cristo, e este crucificado.” (1 Coríntios 2.2)
John Piper nos fala de dois obstáculos bem conhecidos, para que a pregação atinja o seu alvo:
• A
justiça de Deus – que deve ser satisfeita
• O
orgulho do homem – que deve ser destruído.
A única forma de
responder a estes dois pontos satisfatoriamente é a Cruz de Cristo. Ao derramar
seu cálice de ira santa sobre Seu Filho, Deus não deixa qualquer espaço para
orgulho ou vaidade, pois sabemos que nada fizemos para merecer a salvação.
Um pregador que
não tem como base um Deus santo e justo, nem o orgulho destruído pelo
sacrifício de Cristo, será incapaz de expôr o Evangelho corretamente aos seus
ouvintes. De modo oposto, um pregador que conhece bem a doutrina da Cruz, sabe
que esta é a única forma pela qual somos libertos do pecado e de o homem
alcançar a salvação; o pregador que conhece a Cruz de Cristo sabe que, se há
algum justo na Terra hoje, é porque sua justiça procede de Deus, por meio de
Cristo Jesus.
Um erro moderno
é esquecer-se que Deus nos ama não porque merecemos, mas por Seus próprios
desígnios insondáveis. Além disso, mais que dar sua própria vida em resgate de
muitos, o principal propósito de Jesus ao se rebaixar à forma de servo foi
também a glória de Seu Pai. Assim, não podemos subverter o sentido do
sacrifício de Jesus com a idéia de que éramos tão precisosos que Deus teve de
dar Seu único Filho para nos salvar.
Talvez estes
pregadores façam isso para elevar a auto-estima da congregação, porém a Bíblia
é claríssima em dizer que ainda éramos pecadores quando Cristo morreu por nós.
Se o fato de sermos “preciosos” fosse verdadeiramente o motivo de nossa
salvação, a existência deste nosso “grande valor” acabaria com toda a Graça de
Deus, pois teríamos um mérito, algo para oferecer, ou ao menos algo que nos
tornaria “mais dignos” do sacrifício de Cristo.
Além disso, a
cruz também serve para manter nossa humildade, como pregadores. Embora a
crucificação de Jesus tenha sido um evento histórico e objetivo, seus efeitos e
a intercessão constante que temos por Jesus diante do Pai permancem para nos
lembrar de quanto dependemos de Deus e como não existe motivo para uma
autoconfiança.
Paulo deixa
muito claro que não existia outro assunto mais importante a ser pregado que a
cruz de Cristo. Como no versículo que abre esta seção, ele também diz em
Gálatas 6.14 que “mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de
nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu
para o mundo.”
“A cruz
sustém a glória de Deus na pregação e abate o orgulho do homem no pregador. É,
portanto, o fundamento de nossa doutrina e o fundamento de nosso comportamento.”
(John Piper)
“Por meio dele” – O poder
do Espírito.
“O Espírito do Senhor DEUS está sobre mim; porque o SENHOR me ungiu, para pregar boas novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos presos”
(Isaías 61.1)
Um pregador consciente
da majestade de um Deus tão santo e gracioso, que decretou a morte de Seu Filho
obediente para que vidas pecaminosas – grupo do qual ele faz parte – só poderá
realmente ter forças para chegar à frente de uma congregação e falar sobre algo
tão grandioso se este mesmo Deus o sustentar. É neste momento que o trabalho do
Espírito de Deus tem de ser o poder pelo qual o portador da mensagem trará seu
sermão.
Mais uma vez, ao
nos focalizarmos no Espírito Santo, Deus também será glorificado, pois o pregador
saberá que as palavras de sua boca durante um sermão não são frutos de esforço
pessoal, mas da Graça Divina – “Eu crio os frutos dos lábios: paz, paz, para
o que está longe; e para o que está perto, diz o SENHOR, e eu o sararei.”
(Isaías 57.19). É evidente que as palavras mais importantes já deixadas pelo
Espírito de Deus aqui na Terra estão contidas na Bíblia, por isso é inaceitável
que abracemos qualquer pregador cristão que não se utiliza primordialmente da
Palavra de Deus, a Espada do Espírito,para suas mensagens.
Sabemos que o
ministério do Espírito Santo é muito abrangente na vida dos pregadores (na
verdade, tudo na vida de um pregador deveria ser movido pelo Espírito),
por isso nos concentraremos especialmente na Revelação de Deus aos homens.
Infelizmente
vivemos numa época em que os testemunhos reinam. Não tenho nada contra ouvir
irmãos que querem anunciar alguma bênção ou alguma experiência com Deus para
toda a igreja – isto também é anunciar boas novas. O problema é que em algumas
igrejas isto se tornou tão sintomático que a Palavra de Deus ganha o papel de
coadjuvante nos cultos. E se alguém disser que sente falta da Bíblia, acaba
recebendo como resposta as palavras de Paulo – “a letra mata, mas o Espírito
vivifica” – completamente distorcidas. Quando estas palavras são ditas, nem
adianta ao defensor da Palavra explicar o que Paulo realmente quis dizer – para
seu interlocutor, este irmão está “morto pela letra”. [Nota do Monergismo.com:
Isto para não citar que o próprio conceito de testemunho foi totalmente
distorcido, e o que é praticado na maioria das igrejas de hoje não é testemunho
de forma alguma. Aqui, as palavras de John Stott são muito esclarecedoras:
“Testemunho não é sinônimo de autobiografia! Quando estamos realmente
testemunhando, não falamos de nós mesmos, mas de Cristo”].
Outro grande
perigo que não precisamos, nem podemos, correr (e que é bastante simples de ser
evitado) é citar várias passagens da Palavra durante a mensagem sem informar
onde ela se encontra. O povo de Deus precisa saber que essa citação está nas
Escrituras, a fim de que os textos citados não sejam aceitos simplesmente
porque o Pastor disse. Além disso, uma congregação que zela pela Palavra e
confere o que é dito recebe elogios da própria Bíblia, se observarmos o exemplo
dos bereanos (At 17.11) – que pastor não gostaria de ter uma congregação assim?
Apenas aqueles que têm algo a temer...
Outra forma de
demonstrar confiança no Espírito Santo é depender completamente de sua ajuda
para interpretar a Palavra. Antes de sermos protestantes, evangélicos,
batistas, presbiterianos, tradicionais, ou qualquer outro termo, temos de ser
bíblicos, aceitar e entender o que nos foi escrito. O único meio para
alcançarmos esta humildade e compreensão é através do poder do Espírito Santo,
pois o homem espiritual interpreta coisas espirituais. Se Lutero tivesse sua
mente cativa à Igreja Católica antes de tê-la cativa à Palavra de Deus, ele
jamais seria o homem que foi, e sofreria até o dia de sua morte a culpa e as
dúvidas geradas pela teologia anti-bíblica das indulgências.
Não devemos nos
concentrar em apenas alguns livros, passagens e escritores favoritos. É claro
que sempre teremos nossas preferências, mas não podemos esquecer que estamos
diante de um Livro completo e que muitas heresias nascem justamente do fato de
as pessoas não lerem este Livro como um todo, mas apegam-se a apenas um
versículo para criar teorias mirabolantes. Exemplifico com o caso de uma
irmãzinha que criticava a “concepção errônea” da Igreja, de que o homem e a mulher
crentes foram criados para se casar – por causa de palavras mal-interpretadas
em 1 Coríntios 7, e por ignorar completamente os outros trechos em que o
Apóstolo recomenda o casamento.
Como disse o
Apóstolo Paulo, toda Escritura é proveitosa, e não apenas alguns trechos mais
agradáveis ao público que nos ouvirá, e a nós mesmos. Que estejamos submissos a
este Livro tão maravilhoso.
Conclusão
A Bíblia é clara
quanto ao tipo de palavra que deve sair de nossa boca – “apenas a que for
útil para edificar os outros, conforme a necessidade, para que conceda graça
aos que a ouvem” (Ef 4.29). Assim, especialmente no momento em que estiver
pregando, o crente não deveria falar outra coisa se não o assunto que Deus
realmente deseja, que realmente O glorifique, e que seja um meio de graça para
seus ouvintes. Só conseguiremos isto se formos submissos de todo o coração ao
Senhor e à Sua Palavra. Um homem incapaz de reconhecer-se como um simples
servo, como apenas o encarregado de trazer a mensagem, nunca glorificará a Deus
com seu discurso.
Que Deus possa
abrir nossas mentes para Sua palavra, que Sua glória seja o único motivo de
nossos sermões e que a Cruz seja a base de nossa humildade, e de nosso louvor!
Soli Deo
Gloria!
“Se alguém falar, fale segundo as palavras de
Deus (...) para que em tudo
Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem pertence a
glória e poder para todo o sempre. Amém” (1 Pedro 4.11).
NOTA:
[1]
Este trabalho tem como base o excelente livro A Supremacia de Deus na
Pregação , de John Piper. Assim, não estranhe que eu siga o mesmo modelo de
Piper nesta reflexão bem mais breve (e muito mais simples!).
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